CONSUMO X CONSUMISMO

Não há dúvidas: desde que nasce, o ser humano é um consumi-dor. Consome serviços variados, como alimentos, bebidas, roupas, combustíveis, brinquedos e uma infinidade de outras coisas. Consu-mir faz parte da vida. No entanto, o próprio ser humano, ao perceber que poderia ganhar ou lucrar com a venda desses bens de consumo, acumulando riquezas pessoais, criou a propaganda, um meio de chamar a atenção para produtos e serviços, a fim de convencer os consumidores a comprá-los.

Na prática, o alvo da propaganda somos nós, ou melhor, nosso dinheiro. Muitas vezes, sem nos darmos conta do exagero, acaba-mos comprando coisas e serviços dos quais não precisamos ou precisamos muito pouco. Esse consumo exagerado se chama consumismo.
Crianças e jovens são o alvo preferido da propaganda. Nessa briga, que mais parece um vale-tudo, a linha de frente é composta pelos comerciais veiculados nas redes de televisão, rádios e redes sociais. São bonitos, gostosos, animados e convincentes e levam o consumidor a comprar por impulso, por prazer, sem pensar e sem avaliar sua real necessidade.
Atualmente, muita gente (adulta) preocupada com esse consu-mismo argumenta contra o excesso de propaganda, sobretudo as en-dereçadas às crianças. Os argumentos principais dessa turma alertam para os diversos problemas causados pelo consumismo, como o des-perdício e o descarte de produtos que ainda poderiam ser usados, prejudicando o meio ambiente. Alertam também para o fato de as crianças não terem todas as condições para pensar sobre a diferença entre o que precisa para viver e o que é apenas fruto do desejo despertado pela propaganda.

De outro lado, há os que consideram que a propaganda apenas mostra o que existe no mundo moderno. Essas pessoas defendem a ideia de que as crianças não podem viver em um mundo paralelo sem o direito de escolherem o que quiserem. Nesse caso, as crianças precisam aprender a lidar com a propaganda e com o consumismo.
Pois então, você já deve ter percebido que está no meio dessa briga e que estão de olho no seu dinheiro, seja ele o de sua mesada, o de suas economias ou o dinheiro de sua família. Enquanto vai pen-sando em que lado quer ficar, tome algumas atitudes, tais como refletir antes de sair gastando tudo o que tem, poupar um pouco, pensando em seu futuro, lembrar-se de que propaganda bonita, gostosa e engraçada não precisa ser obedecida prontamente e, por fim, respeitar os argumentos de quem cuida do dinheiro do orçamento de sua família.

Certamente, caro leitor, ao pensar sobre o assunto e tomar suas decisões, você estará se preparando para ser um consumidor consciente.

 
     
 

RAIO X
DO CORPO E ALMA DOS INCÔMODOS, PRAZERES E INCONVENIÊNCIAS DE UM CORAÇÃO APAIXONADO


Batimentos cardíacos

Há um aumento sensível dos batimentos cardíacos de um/a apaixonado/a, quase incontrolável, principalmente diante da presença do objeto da paixão. Não há registros de que isso faça mal para o coração. Há casos, os mais extremados, de registro de corações saindo pela boca, tamanha a pressa, o agito, a rapidez e a velocidade dos batimentos diante do/a amado/a. Não há registros de diminuição dos batimentos em casos de amores exagerados.

Batimentos dos pulsos

Os registros a esse respeito são poucos e quase inexistentes. Estudiosos costumam dizer que os pulsos acompanham o coração no aumento da freqüência. Aumento nos batimentos cardíacos=aumento da pulsação. Os pulsos pouco são objetos de estudo nos casos dos amores apaixonados, talvez por sua localização e pela dificuldade de se encontrar um instrumento que possa medir. Por outro lado, as apaixonadas e os apaixonados pouco dão bola para os pulsos. Apenas se lembram deles quando fazem ameaças, em casos extremos, de cortá-los em nome do amor. Bobagem.

Pressão arterial

Costuma ocorrer aumento e queda na pressão arterial dos apaixonados e das apaixonadas. Não há, no entanto, nenhum registro de complicação maior por conta do aumento ou queda da pressão em razão do excesso amoroso. Há uma ligeira relação entre pressão alta e devaneios e pressão baixa e lentidão nas decisões. Mas nada que possa comprometer.

Armazenamento de ar

Quase nunca lembrados nessas ocasiões, os pulmões são fundamentais na vida dos apaixonados e das apaixonadas. A maior ou menor capacidade de armazenar o oxigênio faz dos pulmões os grandes aliados dos enamorados e enamorados. Mais oxigênio nos pulmões dá mais resistência e permite lidar melhor com os batimentos cardíacos exagerados. Dessa forma, não é preciso usar aquela frase brega e sempre fora e hora “ai, me abana que o ar está me faltando”, nas ocasiões em que a presença do amado ou da amada afeta a normalidade cardíaca. Além do mais, pulmões carregados e oxigênio estão sempre prontos para socorrer o cérebro quando este fraquejar – e quase sempre fraqueja – e perder os sinais dos bons ares.

Capacidade ocular

Isso é coisa de oftalmo-amorosista, o profissional que se ocupa de avaliar o desempenho dos olhos nos casos de manifestação de paixões e amores intensos. Por se tratar de ciência nova, há muito descrédito e até uma certa ironia, mas mesmo assim os estudiosos dizem que os olhos são intensamente afetados nos casos de exercícios da paixão. Para o bem, atestam os oftalmo-amorosistas: os olhos de corações apaixonados conseguem brilham mais fortemente, traduzindo esse brilho em embelezamento do ambiente. Continuam: atestam também que os olhos de corações apaixonados conseguem ver muito mais cores do que os enamorados e enamoradas. Arriscam a dizer que foram os olhos de  um coração apaixonado que inventaram o arco-íris. Chegam a dizer que o aparecimento de arco-íris no espaço celestial está condicionado à presença de corações apaixonados por perto. Por último, afirmam que os olhos de corações apaixonados não precisam de óculos.

Desempenho linguístico

Há muitos estudos sobre a língua, sobre o desempenho linguístico das comunidades, nos meios profissionais, comparações entre a fala e a escrita, etc., mas há pouquíssimos estudos sobre o desempenho linguístico dos seres apaixonados. E o que há disponível não é nada animador, pois dá conta de que a capacidade de emitir frases desarticuladas e  repetidas, jargões, expressões vazias de significados e babaquices a se perder de vista é muito grande. Aquele tipo de coisa “não sei viver sem você” ou “minha vida não tem sentido longe de você”  ou”meu amor, você é tudo para mim”... A possibilidade, segundo esses estudos, de se tropeçar nas palavras, de gaguejar, de emitir sons guturais, de não conseguir expressar duas ou três frases com sentido razoável é muito grande. Por isso, há duas recomendações quanto a isso: de um lado, ser cauteloso nas falas diante do ser amado e, por outro lado, não dar bola para isso e soltar todas as bobagens e babaquices a que tem direito. Vai que numa dessas, você se descobre ser um ou uma grande poeta, um novo Drummond ou um novíssimo Bandeira. Mas vale um pequeno lembrete: evite escrever declarações de amor durantes os períodos de intensa paixão. A possibilidade de você não se reconhecer algum tempo depois é muito grande.

Posicionamento dos cabelos

Outro aspecto pouco estudado pelos interessados no assunto é o posicionamento dos cabelos nos exercícios amorosos intensos. O que há são relatos incidentais de apaixonados e de apaixonadas em que dizem sentir os cabelos eriçados, endurecidos, tesos, armados, etc, principalmente os pelos mais finos esparramados pelo corpo. Na falta de informações fidedignas, é bom se manter a cautela e não ir além disso. No entanto, fica aberta a possibilidade de novos registros e depoimentos. Nunca se sabe o que se pode extrair de informações desse tipo.

Manifestações tácteis

O que se tem para dizer sobre esse aspecto é que a pele dos seres apaixonados fica mais delicada, mais suave, mais sensível. A pele, o maior órgão do corpo humano, no corpo dos corações apaixonados, fica maior ainda, assume outras funções: os seres apaixonados respiram pela pele, olham pela pele, comem pela pele, sentem tudo pela pele, amam pela pele. Nos exercícios amorosos ricos de intensidade apaixonante, as mãos – e sua pele – assumem uma presença muito grande. As mãos são fundamentais nos exercícios amorosos intensos. Não seria exagero afirmar-se que os apaixonados e as apaixonadas se amam pelas mãos.

Glândulas sudoríparas

É um pouco desagradável falar de suor. Mas talvez nenhuma das alterações seja tão interessante quanto esta. O suor, que em outras ocasiões de atividade é  quase insuportável, de um coração apaixonado é um viva aos odores gostosos. Coração apaixonado não sua: exala cheiros gostosos. E cada cheiro é um festival de gostosuras aromáticas. Cheiro de chuva fina caindo em terra vermelha, cheiro de camomila mesclada com chocolate meio amargo, cheiro de canela com vento ligeiramente salgado, cheiro de uva passa embebida em licor de groselha, cheiro de...
Dizem mesmo os estudiosos da perfumaria mundial que a fonte de inspiração dos grandes perfumistas é os corações apaixonados.

Lógica do pensamento

Coração apaixonado não pensa. Coração apaixonado atropela palavras, idéias, frases e pensamentos. Engole sílabas, troca palavras, muda a ordem das palavras na frase, muda a frase na ordem das idéias. Coração apaixonado foge das frases estilosas e bem escritas, pois prefere os eternos clichês românticos. Coração apaixonado não pensa: ama. E isso basta. O resto fica para o professor de análise sintática analisar, corrigir e consertar.

Expressão da voz

A voz é responsável pelos maiores apuros que um coração apaixonado se deixa cometer. A voz dos corações apaixonados foge do controle: escorrega, falseia, tropeça, afina, engrossa, estica, mela, sopra, se esconde, faz gracinhas, entra em cena na hora errada, foge na hora agá, se apresenta vestida de vermelho, faz muxoxo, engasga só com a saliva... E sem ela, o que dizer, como dizer?

Tesão

Sem comentários!
É preciso comentar?
Não!
Coração apaixonado nunca perde tempo: está sempre ocupado em mandar recados para que os órgãos do prazer sexual estejam sempre na ativa, preparados para o que der e vier, a qualquer hora do dia e da noite.
Um salve-se quem puder sem tamanho.

Posições físicas do corpo

Há várias posições típicas do corpo de um coração apaixonado: cabeça baixa, peito estufado, mãos que não encontram lugar para ficar, pernas bambas, etc. Mas, a posição que definitivamente representa um coração apaixonado é ficar de quatro. Ou não é??

Encontros sociais

Corações apaixonados não param quietos, não ficam sossegados, não descansam os olhos, não conseguem articular meia dúzia de palavras com a mesma pessoa em mais do que dois ou três minutos. Corações apaixonados não sabem direito onde ficar, com quem ficar, porque ficar. Porque só querem estar com uma única pessoa, a pessoa amada.

 
     
 

CÓDIGO DO LEITOR (Autônomo)

  1. Seja corajoso: leia tudo o que passar por perto. Sem preconceitos.
  2. Não tenha preguiça: instalar e inaugurar significações não combina com preguiça.
  3. Procure ser um parceiro criativo. É possível aprender com a literatura e viajar prazerosamente com textos de outra natureza.
  4. Não se acanhe em perguntar. Nada resiste a uma boa pergunta.
  5. Lembre-se: o limite entre a ficção e a realidade é frouxo, permeável, delicado, pronto para ser rompido.
  6. Faça anotações. A memória é ótima parceira.
  7. Leia pensando. Leia sentindo.
  8. Seja múltiplo: os textos conversam entre si, conectam-se e expandem. Leia muitos textos ao mesmo tempo.
  9. Sempre audacioso: provoque a sua comunidade. Convoque-a para ser leitora.
  10. Descubra os prazeres embutidos na leitura, inclusive na leitura  feita com a intenção objetiva de aprender.
  11. Seja  curioso. Faça o seu próprio roteiro de leitura.
  12. Leia sempre: o que é a vida senão as significações que preferenciamos!? Faça a terapia da leitura.
  13. Crie o seu código de leitor autônomo e saia por aí discutindo-o.
 
     
 

CÓDIGO DO ESCRITOR (Costumeiro)

  1. Escreva sempre, sem preconceitos. Tudo pode ser tema de uma escrita. Vida e texto são irmãos siameses.
  2. Não tenha medo dos desacertos gramaticais. A norma culta é apenas um referencial, um balizador. Escrever exige a consciência do inacabamento. Nada é: tudo está sendo.
  3. Sem preguiça. Escrever é como coçar: é só começar.
  4. Tente caminhos alternativos, abuse da criatividade. Experimente escrever uma receita como se fosse uma carta de amor; descreva lista de objetivos do seu curso escolar como se fosse uma receita contra o envelhecimento.
  5. Os outros gostam de ler o que escrevemos. Por diversas razões.
  6. Planeje sua escrita. Pense, faça pequenos planos, anotações, esboços, rascunhos. Depois escreva, com a razão e com o coração. Escrever não combina com ação mecânica.
  7. Encontre parceiros para ler os seus textos. Sem forçar.
  8. Tenha responsabilidade ao escrever. Consigo mesmo. A escrita é sempre uma fotografia sua em um momento de sua vida.
  9. Não se envergonhe em buscar ajuda em outros escritos. Os textos dos outros são um repertório universal pertencente a todos, patrimônio da cultura humana.
  10. Releia os seus escritos. A primeira e a segunda leituras, logo depois da escrita, são importantes para responder à perguntinha “ o que eu quis dizer com isso que escrevi?”.
Nunca se importe em jogar fora coisas escritas sob quaisquer intenções e objetivos. Também não se incomode em guardar os escritos para relê-los em outra ocasião
 
     
  POR QUE LER?
(Roteiro prático e pretensioso conferido e copilado por Edson Gabriel Garcia)

Algumas respostas intrometidas, abusadas, simplistas, atentas, descuidadas, informadas e simpáticas para você pensar sobre o assunto.

LER É GOSTOSO porque
.distrai
.faz cócegas no nariz
.alegra
.conforta e equilibra
.estimula a imaginação
.solta as amarras da emoção
.sopra o pó dos sonhos
.(dá sono!)

LER É BOM porque
.abre os olhos
.amplia a visão
.aguça o olfato
.refina o paladar
.dilata o tato
.solta a língua
.aumenta a audição

LER É NECESSÁRIO porque
.informa saberes
.reforça diálogos
.amplia repertórios
.compara realidades
.sopra o pó da mesmice
.responde perguntas
.formula respostas
.aponta caminhos
.indica entradas e saídas

LER É FUNDAMENTAL porque
.desacomoda certezas
.cria novos sentidos
.abre janelas para novos saberes
.empurra o limite do saber
.reforça o aspecto coletivo do conhecimento
.amplia a rede de conhecimento
.democratiza o acesso ao saber
.facilita a mediação da leitura
.forma outros leitores

 
     
 

SETE PECADOS (NÃO CAPITAIS) DO DESLEITOR

1.Mentira (quando a falta de tempo é apontada como a culpada pela não-leitura).

2.Inadimplência ( quando a falta de dinheiro é apontada como a causa da não-leitura).

3.Medo (quando o temor diante de novos saberes apavora).

4.Raiva (quando a inércia diante da própria ignorância não vai além da raiva contra si).

5.Inveja (quando a bronca se manifesta contra o saber ampliado de outra pessoa).

6.Mutismo (quando a ignorância impede a fala e o diálogo, impondo um auto cala-a-boca).

7.Preguiça (quando todo texto é difícil ou desinteressante demais para merecer atenção).

Atenção: a palavra pecado foi usada no sentido de “alguma prática ou comportamento que é nocivo ou ruim”, sem nenhuma conotação religiosa.

 
     
 

LER É

...desabotoar vontades
...mapear dúvidas
...instigar os olhos adiante do que se vê
...perguntar respostas adormecidas
...responder perguntas escondidas
...desacomodar certezas
...empurrar limites do saber
...alterar horizontes da utopia pessoal
...soprar o pó dos sonhos
...cruzar fronteiras do conhecimento
...desvelar segredos da aventura humana
...alavancar novos entendimentos
...dar lucidez à pluralidade das emoções
...desviar das pedras no meio do caminho
...dar vozes ao silêncio
...inventar caras para os desejos
...vestir de palavras as idéias dormidas
...desejar-se uma pessoa feliz

 
     
 

Algumas poucas anotações, de quase nenhum valor, sobre o texto literário, o leitor escolar e a intervenção do politicamente correto.

Vivemos em um país cheio de modas. Moda para vestir, para pentear o cabelo, para escolher cores, moda gastronômica, moda comportamental, moda no modo de amar.
A leitura está na moda. Ainda bem. Descobrimos um pouco tarde que ler faz muito bem ao espírito, aos olhos, ao coração, ao cérebro. Viva a leitura. Viva leitura.
O diabo da história é que junto com a moda da leitura vieram outras modas, umas delas a desastrada mania de policiar os textos literários em busca de deslizes politicamente incorretos, de expressões pouco sugestivas que poderiam atentar contra o pudor dos nossos incautos leitores. E cabe prender nessa malha fina uma série de palavras ou expressões, desde aquelas que possam despertar segredos e desejos escondidos até as que eventualmente mexam com guardadas crendices religiosas, passando por outras tantas que possam significar algum descuido contra a combalida cidadania nacional.
Bobagem.
Já vivemos outras épocas com bobagens semelhantes. Não faz muito tempo, nos tempos dos indefectíveis temas transversais, não foram poucas as casas editoriais que subservientes a um mercado hipotético – e apostando quase sempre na má qualidade de formação de nossos mediadores de leitura – apressaram-se em carimbar capas de livros com o tema transversal tratado, por acidente, por propósito ou por interesse. Infelizes, alguns livros – e seus autores – foram defenestrados dos catálogos com a rapidez da morte de um poema mal escrito.
Custou caro, mas aprendemos que não é o tema transversal que faz de um texto uma obra digna de leitura. Não é a inserção forçada de um campo do conhecimento no outro que pode dar bons resultados. No entanto, o que parece, é que essa experiência serviu muito pouco, não alterando quase nada essa mania de atrelar a produção literária para a infância e juventude ao que pensam e querem os selecionadores de obras de leitura para as escolas e ao que insinuam os currículos escolares.
Convenhamos, colegas do livro, as instalações são diferentes, os fazeres são outros, os interesses, os objetivos e a natureza também. Enquanto o currículo escolar enquadra, sistematiza e recorta o conhecimento selecionado, o texto literário abre o foco, amplia, desenquadra e altera a visão do assunto. O currículo escolar clama pela certeza; o tema abordado no texto literário traz para a roda de conversa as incertezas. O currículo pretende dar segurança, mas o texto literário desarma os roteiros prévios. O conhecimento curricular tira pedras do meio do caminho e o texto literário se nutre de pedras no meio do caminho. O currículo apresenta o conhecimento em esquemas geometricamente estudados, dissecados e didaticamente prontos para serem cooptados pelo pensamento; o texto literário é produzido no domínio da imaginação e por ela possuído, feito e refeito. O currículo escolar não aceita viés, argumentos contrários, desvios e se debate diante do erro, enquanto o texto literário navega por desvios das gavetas mais escondidas da alma humana. O currículo escolar pede a correção política, o debate da cidadania, o conhecimento a serviço da prisão pragmática das respostas únicas. O texto literário pede a excitação, a imaginação, a alegria da liberdade das perguntas múltiplas. O texto do currículo escolar aceita o corte, o enquadramento, a supervisão, a incisão, a correção, a lupa, a tesoura. O texto literário pede a liberdade, a responsabilidade da decisão própria, a ausência de scripts prontos, a vontade de inventar novos caminhos a cada outra leitura.
Neste sentido – se é que há sentido nesta discussão - , colegas do livro, o que poderia ser uma parceria de belíssima qualidade, do texto literário, da escola e do leitor, torna-se uma tortura para quem faz o texto e para quem o lê, em ambos os casos monitorados por mediadores que pensam deter o monopólio da sabedoria.
Deixemos que o texto literário, se bem escrito, pelo “conjunto da obra”, faça o seu caminho, no encontro com o leitor, desabotoando vontades, empurrando horizontes, desfazendo limites, alterando visões, mexendo nos sonhos, abrindo cartas guardadas. Se isto não for possível pela qualidade do texto, não haverá nenhuma intervenção politicamente correta que possa dar cabo dessa tarefa, tão cara à literatura e tão necessária à escola.
Fora disto, o resto é perda de tempo.

Publicado no Boletim Informativo da AEILIJ

 
     
 

O QUE É QUE VOCÊ TEM A VER COM ISSO?

CONSELHO DE ESCOLA

Lendo a pergunta-título, você deve estar se questionando: de novo?
De novo, caro e paciente leitor! De novo, a pergunta insolente, tipo "lavo minhas mãos", obrigando-o a gastar preciosos minutos de sua não menos preciosa vida, nessa leitura e na reflexão sobre a questão proposta: o que é que cada um de nós tem a ver com o Conselho de Escola.
Dessa vez, diferentemente do que fiz nos comentários anteriores, não vou sugerir respostas. Começo por relatar uma pequena história disso que chamamos Conselho de Escola.
Nos tempos remotos da antiga LDB (5692/71), o Conselho de Escola surge timidamente como uma instituição auxiliar. Conselho e APM faziam parte desse cenário. Vivíamos à época da ditadura militar e ninguém que estava no poder queria ouvir falar de divisão de poder, de democratização das relações internas, etc, etc.. Por isso, o Conselho de Escola ficou quietinho, deitado em berço esplêndido, enquanto sua parceira APM ganhava ares de importância no cenário da administração escolar. Já que o investimento em educação não era mesmo aquelas coisas, nada mais adequado e salutar do que realçar a APM, basicamente uma instituição "jurídica" que poderia se encarregar de receber doações, de captar recursos, de promover eventos, sempre com a preocupação velada de levantar dinheiro para a escola. Dinheiro que os governos de modo geral não aplicavam em educação. De certa forma, a APM constitui-se – e ainda hoje é assim – em um tipo de tributação para os que têm filhos na escola pública. Paga-se todo tipo de imposto e mesmo assim paga-se indiretamente mais um pouco para estudar na escola pública. Bem ... nesses tempos, o Conselho de Escola era "consultivo" e dava "conselhos" quando e se algum dirigente pedia. Como os tempos eram outros, o autoritarismo imperava e ninguém queria (nem podia) ouvir outras opiniões, o Conselho de Escola consultivo vivia às moscas.
Bons ventos sopraram nas duas últimas décadas, sugerindo procedimentos democráticos na vida de todos nós, de política a cotidiano. Nesse conjunto de novas e democráticas atitudes, o Conselho de Escola, de natureza deliberativa, acordou e começou a botar as mangas de fora. Se antes o conselho apenas dava "conselhos", pois era assim que sua natureza consultiva permitia, agora instigava os seus membros a tomarem decisões – e, claro, a assumirem as ações e resultados dessas decisões. No princípio o esperneio foi amplo, geral e irrestrito. Todo mundo ficou contra: os diretores de escolas porque temiam perder poder na escola, os professores e funcionários porque não queriam pais e alunos fiscalizando seu trabalho, alguns pais porque não se sentiam preparados ou porque temiam que seus filhos fossem perseguidos. Aos poucos – bem aos poucos, mesmo –, essas nuvens foram sendo dissipadas. Aqui, ali e acolá, algumas escolas toparam, gostaram da idéia e mergulharam nessa coisa salutar de dividir problemas, responsabilidades e prazeres, de somar esforços, de aprender a ouvir outras vozes, que quase sempre ficavam atrás dos muros e dos portões. Portanto, acompanhando a gostosura do balanço dos ventos democráticos, soprando eleições, soprando idéias novas, soprando liberdade de opiniões, o Conselho de Escola foi se instalando na escola, com sua melhor roupa: a participação de todos os interessados no destino da escola.
Atualmente, o Conselho de Escola não assusta mais ninguém. Assusta, sim, quando uma escola ignora a força do coletivo de um conselho e inventa mil desculpas – tipo aquela infamezinha "os pais não querem participar do conselho" – para justificar sua incompetência em promover a participação, o diálogo, o consenso e o envolvimento de diferentes segmentos.
Então ... então ... voltemos à pergunta-título: o que é que você tem a ver com isso?
Cabe a você responder.
Se acha que não precisa da escola pública, que educação não é problema seu, que ajudar a melhorar o desempenho dos equipamentos públicos é problema dos outros, que definir o destino das escolas é tarefa apenas dos educadores, que escola é escola e vida é vida, que nada dentro dos muros da escola interesse a pessoa alguma, que educadores são pagos para fazer o que fazem e são pagos para isso ... Bem se é isso que você pensa sobre a escola pública, certamente você não tem nada a ver com isso. No entanto, se você acha que o dinheiro investido nas escolas, nos programas, nos educadores e nos materiais é de todos e cada um de nós tem o direito de saber e o dever de acompanhar esses investimentos, então, caro leitor, seus brios de cidadão ativo e participante estão vivos e a conversa também é com você.
Saiba que o Conselho de Escola, de natureza deliberativa, é a instituição escolar que tem a função, tarefa, missão ou destino de abrir as grades curriculares da escola para a participação de representantes de pais, alunos, funcionários, educadores e comunidade. A escola está inserida na comunidade e relaciona-se com ela, portanto deve sentir-se acompanhada pela comunidade, observada e ajudada, planejada, executada e avaliada. Enfim ... amada pela comunidade. E para que isso aconteça, a escola estará abrindo suas veias, entranhas, pulsações e movimentos para todos os que, como cidadãos ativos, quiserem participar.
Então ... é isso. E é com isso que você tem a ver.

Participar para deliberar e assumir responsabilidade é difícil. Claro que é! Mas isso é conversa para outro dia – ou noite -, como você quiser, caro e paciente leitor.

 
     
 

OUÇA UM BOM CONSELHO*
(Conversas sobre o cotidiano do Conselho de Escola)

1. Quem inventou essa história de Conselho de Escola?

Comentários: A história é longa. É possível afirmar-se que desde que o homem é homem ele vive em grupos, em comunidades, e vem resolvendo seus problemas pelo diálogo entre os pares, com os companheiros. A História mostra a capacidade ( e a necessidade) do homem em discutir e decidir sobre questões fundamentais de sua existência. Um exemplo bastante sólido é a praça Ágora, dos tempos da democracia grega, onde todos discutiam seus destinos. O exercício de dialogar e tomar decisões em grupo tomou várias feições ao longo dos tempos, recebendo nomes diferentes: conselho, colegiado, grupo, assembléia, câmara, etc. Portanto, não há exatamente muita novidade na introdução do conselho na gestão de uma escola. De novo, talvez apenas a sistematização dessa instituição na gestão escolar. É recente, na história da educação brasileira , a obrigatoriedade do Conselho de Escola como uma das instâncias da democratização da gestão. Concluindo: conversar com outras pessoas, ouvir outras vozes, olhar através de outros olhares e sentir por outros sentidos para busca de melhores respostas aos problemas da vida em conjunto faz parte da essência do ser humano. Como diz o povo em sua infinita sabedoria : duas cabeças pensam melhor do que uma cabeça.

2. Por que o Conselho de Escola precisa ser definido em lei?

Comentários: Há diversas formas de se registrar o acordo, o consenso, o rumo, as regras, as normas, o comportamento aceitável de um determinado grupo. A moral e os costumes, por exemplo, são acordos tácitos entre as pessoas de um determinado grupo que orienta os seus comportamentos . Os regulamentos de um condomínio também definem acordos e consensos entre os seus moradores. Antigamente, diz a sabedoria popular, que o acordo entre os homens era validado por um fio de bigode. As sociedades modernas, letradas e mais complexas, registram seus acordos e consensos em leis e as tornam públicas. Um documento legal ( lei, decreto, portaria, regimento) deve expressar o consenso momentâneo de uma sociedade em relação a algum problema, as normas comportamentais desejáveis e, em alguns casos, as punições pelo não cumprimento dessas normas. Quando uma lei não expressar mais a vontade da maioria , ela precisa ser revista e ser mudada. Nenhuma lei deve ser definitiva. Nesse sentido, a legislação sobre gestão escolar foi aparecendo à medida que foi sendo sentida como necessária face a uma nova realidade. De certa forma, foi, também, registrando os avanços que a prática pioneira de alguns educadores ia abrindo caminhos e novas perspectivas. Primeiro a Constituição Federal, depois as Constituições Estaduais e as Leis Orgânicas dos Municípios e , mais recentemente, a nova LDB. Em todas elas há menção à democratização da gestão escolar e , nesse sentido, a criação de um conselho escolar deliberativo. Por se tratar de uma alteração importante, de uma mudança fundamental na forma de se administrar uma escola, houve necessidade de se registrar essa mudança através de um documento legal próprio. Alguns municípios criaram o seu Estatuto de Magistério e nele o Conselho de Escola ou Colegiado Escolar. Outros preferiram a via dos Regimentos Escolares, criados através de decretos. Também encontramos municípios que regem os seus conselhos escolares por leis estaduais. A mudança de um conselho fraco, pouco atuante, burocrático e meramente consultivo para um conselho forte, participativo, ativo e deliberativo impõe novos comportamentos e se faz necessário registrar em lei. No entanto, nunca é demais lembrar: uma lei não se aplica sozinha; é preciso o esforço constante de todos para que as mudanças propostas aconteçam e produzam os resultados esperados.

3. Qual a diferença entre conselho consultivo e conselho deliberativo?

Comentários: trata-se de uma diferença de natureza. Um conselho consultivo, como nos dá a entender o significado da palavra "consultivo", é meramente um coadjuvante do papel do diretor de escola. Está na estrutura administrativa da escola para ser consultado quando o diretor achar necessário ou conveniente. O diretor pensa, decide, resolve e põe em prática o projeto/plano da escola. Um conselho deliberativo, que tem entre os seus membros, como membro nato, o diretor da escola, tem papel de ator principal na cena do cotidiano escolar. Um conselho que delibera deve ser um conselho que diagnostica, analisa, pensa, propõe, realiza, acompanha e avalia. Tradicionalmente, por conveniência ideológica dos governos brasileiros, o que sempre se viu foi uma concentração de poder (e responsabilidades) na figura do diretor, uma vez que que fica mais fácil lidar com apenas um representante do poder da escola. Nesta linha de raciocínio, dá-se ao diretor um destaque na hierarquia burocrática, quase sempre acompanhado por salários maiores, e cobra-se dele uma administração da escola sem problemas, sem aborrecimentos. Em vez de ser o porta-voz da "comunidade escolar", levando sua fala para fora do âmbito escolar, ele é o porta-voz da administração central, elemento encarregado de abafar os conflitos internos, resolvendo-os, com sua autoridade de preposto do Estado. O conselho consultivo coadjuva bem esse papel do diretor. Figura quase decorativa, burocrática, que em muitos casos serve apenas para "pontuar" servidores em sua caminhada na carreira. Não é sem razão nenhuma que este tipo de conselho, acompanhado da hierarquização do papel e do poder do diretor de escola, é a opção quase única dos governos autoritários. Para governos com essa índole é mais fácil lidar com apenas uma pessoa, não raro comprometida pelo "alto cargo"e pelo maior salário da carreira , acomodada pela constante falta de perspectivas na solução dos seus problemas e quase sempre temerosa das "punições",na forma da lei, que a responsabilidade do cargo impõe. Por outro lado,um conselho deliberativo é necessariamente participativo, ativo, escutador, perguntador e falador. Não se preocupa em abafar conflitos; ao contrário, expõe os conflitos e tenta resolvê-los. O conselho deliberativo é figura nova na gestão da escola pública e surgiu no bojo de novas filosofias de educação trazidas por governantes que viam a democracia como a essência de seus governos. Como se vê, diretamente ou indiretamente, o papel do diretor de escola, o tipo de conselho e as relações entre as pessoas não são questões meramente regimentais e apenas pertinentes à burocracia da administração escolar. Mais do que isso: pressupõem um outro modo de encarar os problemas de uma sociedade.

4. Qual o papel do diretor de escola junto ao conselho deliberativo?

Comentários: É difícil estabelecer-se com clareza e objetividade o papel de um diretor de escola, numa gestão democrática, junto ao conselho deliberativo. Trata-se de um conceito novo, que ainda está em construção. Há acertos e erros, ajustes necessários. Mas há alguns indicadores, dos quais podemos falar. Primeiramente, sobre a posição do diretor: ele deixa de estar no topo de uma hierarquia piramidal para estar no meio de uma figura circular. Isso põe outras perspectivas ao seu trabalho. Em vez de ser a voz única a se responsabilizar pelos problemas e soluções , ele passa a dividir responsabilidades com outros participantes (é verdade, também, que as atuais estruturas administrativas dos sistemas educacionais precisam adequar sua legislação a esse novo status, constituindo o conselho como figura responsável administrativamente por suas decisões). Certamente, essa pluralidade de vozes, expondo seus interesses e necessidades, revelará uma escola diferente daquela vista por uma ótica apenas. O diretor, ao lidar com essa visão múltipla da escola, deverá ser um hábil negociador de sentidos e significações para chegar o mais próximo possível de um consenso que represente os anseios da maioria. Portanto, ouvir, sintetizar, orientar, esclarecer, ter paciência e honestidade intelectual são habilidades necessárias para a mediação do diálogo. Uma outra característica do seu papel é a competência técnica desejável para o exercício do trabalho. Não se pode imaginar que um diretor de escola abra mão de sua competência apenas porque divide responsabilidades com outros membros da comunidade escolar. Pelo contrário, sua responsabilidade técnica cresce diante do grupo, que o vê como um líder – ainda que institucional. Por trabalhar na/com a escola mais horas do que todos, por ter acesso privilegiado a informações e por transitar em todos os períodos/com todos os segmentos, é quase uma obrigação de quem ocupa o cargo de organizar e disponibilizar as informações para o grupo de conselheiros. No limite da lei e com particular empenho de honestidade intelectual, o diretor põe à mesa o que há de importante para se discutir e sugere caminhos para a discussão. Como membro privilegiado -não pela hierarquia do cargo, mas pela competência técnica adquirida no exercício da função- , o diretor tem papel importante no conselho deliberativo, ao mesmo tempo que problematiza sugere discussões e alternativas, sem impor suas posições vai se constituindo em referência fundamental para a formação constante dos conselheiros.

5. O diretor de escola perde poder com um conselho deliberativo?

Comentários: Depende do ponto de vista que se queira olhar a questão. Se pensarmos em um diretor que pensa, decide e faz tudo sem consultar e sem deliberar, nesse caso sim. Perde o poder de pensar, decidir e agir sozinho, pois passará a dividir o poder de pensar, decidir e fazer com outras pessoas. Mesmo assim, podemos entender que não há perda: há divisão. Se pensarmos em um diretor que pensa, decide e age com outras pessoas, podemos afirmar com certeza que há ganho de poder: o poder pensar, decidir e fazer com mais pessoas. Indiscutivelmente a força de um grupo, constituído em torno de objetivos comuns e consensos, é muito maior. Por outro lado, há de se acrescentar também que um diretor de escola quando fala em nome de uma comunidade, ainda que minimamente constituída ao redor da escola, fala com mais força, com mais convicção, com mais certeza dos objetivos. Sua fala não é a fala de um solista , muitas vezes acuado entre interesses conflitantes. Não há dúvida de que um diretor de escola que tem um conselho participativo apresenta-se com mais força até mesmo diante dos órgãos governamentais. Assim, nessa perspectiva não se pode pensar que há perda de poder.

6. Para que serve o Conselho de Escola?

Comentários: Basicamente, o conselho de escola a) pensa e discute (problematização), b) decide (organização das informações para tomada de decisão), c) executa (ação) e d) avalia (nova problematização). Nada extremamente complexo, nada que não estejamos, nós que trabalhamos em educação, acostumados a fazer diariamente. Senão vejamos, ponto por ponto. Pensar e discutir. Para se pensar e discutir são necessários diagnósticos . É preciso conhecer a realidade local, seus interesses, seus objetivos, necessidades e problemas. É preciso analisar as condições em que o trabalho se dá, apontando-lhe os principais problemas e sucessos, os rumos, o caminho e o ponto de chegada. Questões como: quem somos? O que queremos ser? O queremos para nossa comunidade? Que tipo de escola podemos construir? Que relações queremos entre nós? Por que somos assim? Por que temos esse tipo de problema? Podemos buscar outros caminhos? Temos outras alternativas? Estamos abertos a novas idéias e sugestões? O quem as Administrações Centrais têm feito para nos ajudar na melhoria da qualidade da escola? O que queremos que nossos usuários saibam? Quando pudermos escolher, qual o perfil de profissional queremos trabalhando na escola? Que atividades consideramos importantes no currículo de nossa escola? O que é um bom currículo? Por que chegamos até aqui? Etc., etc... A problematização é muito maior que isso, mas o conselho deve priorizar sua discussão. Não tenhamos dúvida de que tudo aquilo que se começa a fazer sem pensar tem mais chances de chegar a lugar nenhum ou ao lugar não desejado. Decidir. Certamente, as discussões costumam ser longas, amplas, proveitosas. Mas, há um momento em que há de se tomar as decisões para se colocar o trabalho em prática. Decisões devem ser tomadas com base em informações claras e objetivas. Quanto mais informações de qualidade os conselheiros dispuserem, melhor será o processo de tomada de decisão. São informações pertinentes às reuniões do conselho: informações técnicas sobre procedimentos, fluxos, contabilidade; informações das disponibilidades dos recursos de que a escola dispõe; informações sobre legislação (os limites da lei, o alcance da lei, a possibilidade da lei); avaliações feitas pela escola; informações sobre outros projetos, dados comparativos entre escolas da rede, etc. As decisões a serem tomadas deverão ser feitas com base nas propostas organizadas a partir das discussões. As propostas a serem votadas e escolhidas devem expressar tendências mais fortes e mais próximas do consenso do grupo. Devem estar claramente colocadas. Não se escolhe idéias/propostas/planos/projetos/ confusos, mal delineados, pouco claros. As pessoas devem ter clareza do/no que estão votando. Execução. Decidido em votação, a próxima etapa é a execução. Decididas pela maioria, legitimadas pelo conselho, as propostas escolhidas deverão ser colocadas em prática por todos. (É fundamental que o conselho de escola tenha formas e veículos para divulgar suas discussões e decisões. Falaremos disso adiante) Algumas coisas caberão ao diretor e ao vice/assistente, outras ao coordenador/orientador pedagógico, outras aos professores, outras aos funcionários de apoio, outras aos pais e outras aos alunos. Algumas, talvez as mais importantes, caberão a todos. Avaliação. Querendo ou não, percebendo ou não, estaremos sempre avaliando nossas ações. Na vida e na escola. É necessário. É decisivo. Avaliar é investigar, problematizando, os resultados ( e "resultandos") do trabalho. É olhar para trás e para frente, pensar no que já feito, como foi feito e no que ainda deve ser feito e como deverá ser feito. Avalição significa diagnosticar problemas, sucessos e fracassos. Avaliar não deve significar mexer aleatoriamente na prática dos companheiros educadores ; significa buscar saídas, dentro da concretude das condições de trabalho. O trabalho (processo e produto), e não as pessoas, é o alvo da avaliação. A avalição tem uma natureza problematizadora. Problematiza-se o que foi construído para retomar a construção.

7. Na prática, no dia-a-dia da escola, quais são as principais áreas de atuação do conselho?

Comentários: Nos comentários anteriores, tratamos um pouco da "metodologia" geral do conselho de escola. Agora, podemos apontar algumas áreas de atuação do conselho. Sem a pretensão de esgotarmos todas as possibilidades, eis uma relação das principais áreas de atuação do conselho: elaboração do projeto pedagógico da escola ( diretrizes,organização funcionamento,currículo, avaliação) ; eleição de profissionais para cargos eletivos; análise e acomodação da demanda; plano orçamentário; projetos da comunidade; análise da relação com a administração do sistema; integração com outras intâncias democráticas; participação no colegiado de conselhos; organização de seu funcionamento ( com ênfase no fluxo de comunicação). Deveremos pensar que algumas dessas competências podem ( e devem) acontecer simultaneamente. O planejamento de um calendário indicativo de reuniões do conselho deve ser pensado e proposto já com alguns temas previamente agendados para a discussão. A médio prazo seria interessante que os conselhos de escola se constituam em foruns permanentes de discussão-decisão-ação-avaliação do cotidiano das práticas escolares. Essa é uma construção que não se faz do dia para anoite nem com um passe de mágica. De um lado, sugere-se o empenho dos profissionais progressistas da educação na busca incessante do aperfeiçoamento do trabalho do conselho ; de outro lado, exige-se o comprometimento das instâncias administrativas centrais em facilitar o trabalho do conselho e criar condições (des)burocráticas e administrativas (inteligentes) que facilitem a ação deliberativa, essencialmente política, do conselho. Uma delas, talvez uma das mais importantes, é redimensionar o papel do diretor e a responsabilidade pelas decisões tomadas coletivamente.

8. O Conselho pode tudo? Tem autonomia? Quais sãos limites do conselho?

Comentários: Toda escola é uma instituição da sociedade, instituída por essa mesma sociedade que lhe dá permissão e concede o direito de funcionar para atender objetivos por ela propostos. Nesse sentido, uma escola é diferente , por exemplo, de um grupo autônomo de teatro que pode decidir absolutamente o modo como deseja resolver questões do tipo "o que encenar, onde encenar, quando encenar, que truques artísitcos usar, quais coreografias, cenários," etc. A escola se dá em meio a uma estrutura e funcionamento previamente traçados - não definitivos, mas razoavelmente estáveis – desenhados por documentos legais nacionais ou regionais e por práticas educativas culturalmente estabelecidas. Dessa forma, é nesse campo que a escola está instalada e é aí que o conselho deverá locomover-se. Diretor, professores, funcionários, pais e alunos não podem fazer tudo, não têm poderes ilimitados no cotidiano da escola. Como nós, humanos, vivemos nossa vida na relação com outras pessoas, em inúmeras situações e somos mediados por essas relações. Somos nós e as nossas circunstâncias, parafraseando um filósofo espanhol. Fernando Pessoa, poeta português de extrema sensibilidade, escreveu em um de seus poemas algo parecido com "nem só quem nos odeia nos limita, mas principalmente quem nos ama nos limita". Portanto, o limite está dado e sempre estará dado. O limite do conselho -do diretor, da escola, do professor, do administrador, etc.- está dado pela Constituição Federal, pelas Leis Orgânicas Estadual e Municipal, pela LDB, pelo ECA, pelo Regimento Escolar, pelos PCNs, por diretrizes de políticas públicas para a educação... Havemos de pensar conosco mesmo: então não se tem autonomia nenhuma? Mudemos o foco da preocupação: a autonomia deve ser construída e conquistada constantemente. No lugar do limite colocar a pergunta, a nova decisão, a busca, a superação. A melhor forma de ampliação e superação dos limites é a construção da identidade da escola através do seu projeto pedagógico. É na elaboração e execução do projeto pedagógico, encontro das diferenças com as necessidades mediadas pelo diálogo, que os limites cedem lugar à criatividade, à novidade, à solução, ao consenso. Imanigemos uma metáfora para explicar melhor onde se dá o exercício da autonomia em meio ao respeito pelas regras. Uma partida de futebol tem, nas regras atuais, duas equipes com onze jogadores cada uma, um árbitro e dois auxiliares (bandeirinhas). Os jogadores de cada equipe distribuem-se inicialmente no seu campo de jogo. Cada jogador tem uma missão mais ou menos identificada por sua posição no campo de jogo, mas nada impede que eles superem sua zona territorial de jogo e se lancem em jogadas diferentes, ousadas, criativas. Todos devem defender sua equipe e mostrarem-se superiores à equipe adversária. Esse é o objetivo de todos os jogadores dentro do campo. Sem poder tocar a bola com as mãos, regra válida para todos, menos para o goleiro, eles têm total liberdade de pensamento e movimento para atingir o objetivo comum. Mostrar a qualidade de vitorioso de uma equipe é conseguir o seu objetivo e isso alegra a todos. Quanto mais saem do lugar comum e mais criam dentro do campo, observando as mesmas regras conhecidas por todos, mais mostram-se superiores e mais satisfazem os seus objetivos. E vai por aí... bola em frente. Um conselho de escola pode caminhar dessa forma: as regras são as mesmas para todos, mas nada impede que o diálogo, a reflexão, a troca e a participação criem grupos vitoriosos. Regras, regulamentos, ordens, orientações, etc., sempre existirão em uma comunidade organizada, mas elas nunca serão impedimentos para a superação e construção de projetos de maior qualidade.

9. O Conselho é o único responsável pela democratização da gestão e pela nova qualidade do trabalho escolar?

Comentários: Não. No interior da escola, dependendo do seu funcionamento, pode ser o principal, mas não é o único e nem poderia ser, por duas razões básicas. Primeiro, porque o conselho atua por representação. Ainda que a representação no conselho tenha representantes de todos os segmentos, há relações no cotidiano da escola que não podem se dar por representação, mas devem acontecer diretamente. Por exemplo, o acompanhamento da vida escolar do filho, pelos pais, junto aos professores, não pode ser feito por representantes mas diretamente por eles. Segundo, porque uma das dificuldades do conselho é reunir-se com muita freqüência para discutir e resolver problemas do cotidiano da escola. A escola, em sua necessária dinâmica cotidiana, não pode parar e ficar à espera das reuniões do conselho para tocar adiante seu trabalho. Por essas razões, a escola dispõe também de outras instâncias, instituições e orientações que contextualizam a gestão democrátca. Além do conselho, Conselhos Regionais de Conselhos de Escola, os processos eletivos para cargos de coordenação/chefia, a APM, os Conselhos de Classe e Série, a agremiação estudantil, as Reuniões Pedagógicas, Reuniões de Avaliação, Reuniões de Pais e Mestres, Movimento de Reorientação Curricular, Supervisão Escolar. No entanto, mais importante do que a existência dessas instâncias são as diretrizes para a democratização da gestão, pois todas essas instâncias podem ter orientações autoritárias. Assim sendo, tanto podemos falar de instâncias democratizadoras da gestão, dentro e fora da escola, quanto de diretrizes democratizadoras, que devem permear as relações humanas no cotidiano escolar: dialogicidade, respeito à pluralidade cultural, aceitação de visões diferentes acerca do mundo, práticas de sentidos coletivos, respeito às decisões coletivas, sensibilidade para a mudança, prazer pelo/no trabalho, tolerância com a diversidade, habilidade para buscar o consenso. Difícil? Um pouco. Fácil mesmo, é dar uma ordem e mandar todo mundo cumpri-la de boca fechada.

10. O que fazer para um conselho funcionar bem?

Comentários: Além do envolvimento dos educadores da escola e do apoio institucional dos órgãos da Administração, fundamentais, poderíamos recomendar especial atenção com a) a eleição dos membros do conselho , b) com o fluxo da comunicação e c) com a reuniões e suas respectivas pautas. A eleição dos representantes não deve parecer com uma atividade burocrática, de preenchimento de fichas com nomes de pessoas. Na verdade, o interesse pela eleição começa muito antes do processo propriamente dito: começa e continua durante o exercício todo, à medida que os representantes e representados sentem a qualidade e legitimidade do conselho. O início do processo eletivo deve ser precedido por uma reunião de avaliação do trabalho desenvolvido pelo grupo atual. Em seguida poderá ser composta uma equipe organizadora do processo eletivo. Esta equipe deverá, pois nunca será demais, esclarecer e mostrar a todos a importância do conselho, suas principais funções e conquistas/realizações. A troca de informações entre os conselhos de escolas diferentes sempre acrescenta novidades e "anima" os mais reticentes. Cada segmento deverá marcar uma assembléia geral para discutir e apontar seus candidatos. A divulgação dos candidatos e de suas propostas poderá ser feita de diversas maneiras: cartazes, filipetas, vídeo, etc. O dia da votação deverá ser preparado com antecedência, previstos os locais e horários de votação, as urnas, as cédulas, os fiscais. Cada segmento poderá organizar a sua votação e apuração do modo que julgar melhor. Para os alunos, a votação e apuração deverá ser um aprendizado, uma preparação para futuras votações. Feita a apuração é divulgado o resultado e os nomes dos eleitos, os quais tomarão posse conforme prazos estipulados regimentalmente. A escolha do presidente poderá ser feita no dia da (festa da) posse pelos próprios membros eleitos. O fluxo de comunicação com informações sobre a atuação do conselho é outro assunto que merece atenção especial. Exatamente por vivermos em uma sociedade com excesso de informações é que devemos nos preocupar com a informa interna na/da escola/conselho. Muitas vezes, as pessoas reclamam porque não sabem o que está acontecendo (acertos/erros/dificuldades/conquistas, etc). Não basta a circulação das informações apenas nas reuniões e/ou em outros encontros. Nem a circulação das informações no boca-a-boca dos portões e guichês é suficiente. Dentro das possibilidades de cada escola, recursos e pessoas, a elaboração de um informativo mensal seria extremamente desejável. Informações escritas são mais permanentes, são recorrentes e, se bem escritas, mais claras e objetivas. Outro ponto que merece atenção dos conselheiros são as reuniões/pautas. Da mesma forma que o processo eletivo começa antes da eleição propriamente dita, uma boa reunião começa antes, cerca de duas semanas antes da data prevista para sua realização. Uma boa reunião começa com uma boa pauta. A definição dos itens da pauta pode ter sido feita na reunião anterior, somando-se a estes itens alguma coisa que tenha surgido entre uma reunião e outra. Após a definição da pauta - que poderá ser feita por um grupo "pauteiro" com a presença do diretor da escola, do presidente do conselho e mais uns dois conselheiros – deve ser feita a convocação de todos os membros, de forma efetiva. Em seguida, as assembléias dos segmentos para discussão sobre os itens da pauta. Não podemos nos esquecer que o conselheiro não vota de acordo com seu interesse ou sua consciência, pois são representantes de outras pessoas, com as quais pressupomos que discutem os temas da pauta. Essas assembléias, que devem obrigatoriamente preceder as reuniões, são importantes, apesar de muito trabalhosas e demoradas. É através dessas reuniões que também se legitimam as decisões do conselho. Com esses preparos anteriores as reuniões transcorrerão com mais objetividade.

11. O que fazer para convencer as pessoas a participarem do conselho?

Comentários: Antes de responder e sugerir algumas práticas para melhorar a qualidade da participação das pessoas no conselho, vamos pensar um pouco sobre as possíveis razões pela dificuldade de participação. Inicialmente, podemos falar de uma falta de tradição de participação. Não por ausência de caráter ou falta de interesse, mas porque quase nunca as pessoas foram chamadas à participação. Historicamente, no Brasil, a sucessão de governos autoritários, ou liberais desinteressados na participação, não abriu espaços nem criou instâncias. Ideologicamente, essa posição reproduz uma visão de mundo que o povo, de modo geral, não tem saberes que o capacite a participar, discutir, opinar e decidir. Visão de mundo que também permeia a escola. Nesse sentido, a voz do povo ficou calada na rua ou em casa. E...não se toma gosto por aquilo que não se conhece nem se aprende aquilo que não é posto em prática. Também podemos falar de uma certa inutilidade na participação. As pessoas são convidadas a participarem das instâncias, ouvem, discutem, opinam, decidem... e nada acontece. Sua participação é inócua, seja por desinteresse de quem chama à participação ou porque as instâncias não estão devidamente abertas e preparadas para tomarem decisão e efetivarem as ações. Aos poucos, isso desanima e desmobiliza. Ninguém gosta de jogar palavras ao vento. As atribulações da vida (pós)moderna também contribuem para dificultar a participação nas instâncias deliberativas. A superficialidade das relações pessoais, as desconfianças, a insegurança, a rapidez do envelhecimento dos fatos e informações e a luta alucinada pela sobrevivência, entre outras razões, não delegam tempo, vontade e prazer às pessoas que eventualmente poderiam se reunir para discutir os rumos da vida cotidiana. No caso do conselho de escola, há uma dificuldade particular , que é o vínculo dos pais e alunos ( comunidade ) com os representantes da escola( professores, funcionários, coordenadores, etc.) Nesta relação, sempre estará presente , ainda que sutis, indiretas e simbólicas, represálias feitas pela escola aos pais ou alunos em decorrência de suas posições. Não estamos afirmando que isto deve acontecer ou que sempre acontece, mas é uma possibilidade que sempre estará "no ar". Por último, podemos falar de um certo desinteresse da própria escola em dividir o poder e abrir seus segredos, dúvidas, medos e problemas com os pais e alunos, como se estes fossem estranhos ao ambiente. Diante dessas dificuldades, o que fazer para estimular as pessoas e garantir sua participação. Não há receitas definitivas, mas há caminhos interessantes. Em primeiro lugar é bom conhecer as próprias razões das dificuldades de participação, pois é sobre elas que o grupo apresentará sugestões de como combatê-las. Eliminando-se, ainda que parcialmente, as causas , os sintomas também deverão desaparecer, na mesma proporção. Nesse sentido, o grupo escola, principalmente, deverá constituir-se como um grupo de formação dos conselheiros e sempre que possível organizar palestras para os participantes do conselho. Aprender com os outros, com pessoas que têm ou tiveram boas experiências em conselhos de escola. Garantir um bom relacionamento pessoal nas reuniões, ainda que se discutam problemas e se mexam em conflitos: a honestidade intelctual, a polidez , a clareza e a objetividade da discussão devem prevalecer. Pequenas etiquetas, aparentemente supérfluas, também poderão ajudar o grupo a se fortalecer: comemoração de posse, de aniversários, etc. facilita a aproximação das pessoas, desarmando-as. Um fluxo de comunicação bem organizado mostrará aos participantes que suas opiniões ( e decisões) são consideradas e levadas adiante. Por último, e talvez o mais importante de tudo, é o argumento de que há prazer em participar de grupos que tomam discutem e tomam decisões sobre os rumos de instituições tão importantes nas nossas vidas, como é a escola.

12. O que deve nortear a organização e funcionamento de um conselho?

Comentários: Na organização de um conselho devem ser observadas a paridade e a proporcionalidade dos membros. Pais e alunos devem representar seus pares na mesma proporção que os educadores. A forma democrática possível do conselho é a representativa (representatividade), ou seja, os conselheiros estarão sempre levando a voz dos seus representados e por eles discutirão e votarão ( daí a importância das assembléias dos segmentos para discussão dos temas em pauta). O diálogo (dialogicidade) é fundamental ao funcionamento do conselho. No diálogo pressupõe-se, além da problematização, o confronto das vozes diferentes que representam os diferentes interesses. Esse confronto não significa briga, guerra, desentendimento. Deve significar a negociação em busca do consenso. O consenso deverá representar o resultado do diálogo entre vozes diferentes. O conflito poderá estar presente, pois nem sempre os interesses postos no conselho são semelhantes. Conflito não significa confusão, desunião, desentendimento. Significa visões diferentes sobre uma mesma idéia ou fato. Conflito é natural na vida do homem. Do conflito deverá resultar o consenso. Um conselho de escola só funcionará bem se houver participação de todos ( ou de quase todos). Uns são representados e uns são representantes. Representantes representam seus pares, seu segmento. A participação ativa é condição básica da legitimidade de um conselho. Conselhos capengas não deslancham, não representam, não dialogam. Não há diálogo sem a participação das pessoas. O caminho aponta para a construção da autonomia e da cidadania. Cidadãos são os homens que participam, dialogam, criam caminhos e vão escrevendo sua história.

*Texto feito para pais e educadores para problematizar a questão da gestão democrática da escola pública.

 
     
 

OCUPANDO ESPAÇOS E FORTALECENDO MENTES*
Um roteiro de ações para organização e funcionamento de um espaço de leitura, para além das limitações corriqueiras e da pasmaceira dos olhares não-leitores

Alice, perdida, perguntou ao Chapeleiro Maluco:
-Onde vai dar esse caminho?
O Chapeleiro Maluco respondeu com outra pergunta:
-Onde você quer ir, menina?
Alice, pega de surpresa com um resposta-pergunta, disse:
-Ah...não sei.
O Chapeleiro Maluco concentrado em sua resposta respondeu-lhe:
-Ora...ora... para quem não sabe onde quer ir qualquer caminho serve!

(Adaptado de Alice no País das Maravilhas, obra prima de Lewis Carroll)

Onde queremos chegar?

A recente divulgação de pesquisas sobre o desempenho dos brasileiros no quesito da leitura traz de volta preocupações com a qualidade da cidadania nacional. Como desfrutar de eventuais conquistas cidadãs, se o desempenho de leitura da maioria dos brasileiros é assustadoramente rudimentar?
Depois do susto, as reflexões.
Em primeiro lugar, a constatação da pouca produtividade das instituições, públicas ou privadas, encarregadas de educar, de ensinar e promover a leitura. Lemos pouco e mal. Mesmo entrando no século XXI, a revolução tecnológica na comunicação entupindo o cotidiano com informações, continuamos com um pé nos problemas do século passado: lendo pouco, escrevendo menos ainda, presas fáceis das garras da ignorância, estamos ainda distantes da nação leitora, necessária e desejada.
Nessa mesma direção, a indústria editorial brasileira teve queda de produção e voltou aos índices do início da década de 90, apesar do ligeiro aumento da renda familiar do brasileiro. O que se pode concluir dessa indicação? Alto custo do livro, concorrência com outras fontes de informação e lazer, falta de tempo.
A ausência de políticas públicas claramente definidas, efetivamente propostas e permanentemente mantidas, também contribui para a baixa qualidade dos números da leitura e das ações leitoras. Mesmo o governo brasileiro tendo se tornado o maior comprador de livros do país, o problema não tem sido resolvido.
Diante desse quadro pouco animador, a pergunta que nos fazemos é: o que fazer? E a resposta mais imediata é: ler! Isso mesmo: ler. E como fazer a leitura tomar vida, criar força, buscar assento, tomar posição? A seguir, sugestões de planejamento e execução de práticas possíveis, necessárias e viáveis para a construção de um espaço de leitura e promoção da leitura.

1. Planejamento

Planejar é uma das características que nos diferencia dos demais animais vivos. Enquanto eles sobrevivem no ambiente em que habitam, relacionando-se no limite da sobrevivência, troca mínima com a natureza, os homens produzem cultura, alterando e interferindo no ambiente em que vivem. Os homens não se contentam em apenas retirar do ambiente o que precisam para sobreviver. Tiram matérias primas, mudam a face do planeta, devolvem restos e lixos, despejam líquidos e gases transformados, derrubam e erguem monumentos e alteram os acidentes geográficos. Produzem cultura e criam valores. É nesse contexto que um planejamento se dá.
O planejamento é a primeira etapa, constituída por um forte componente emocional, "o desejo de ver um projeto em ação" e por um outro componente, não menos forte, a reflexão sobre as condições existentes em comparação com as necessárias. Planejar, portanto, é uma das condições privilegiadas dos homens, que nos permite considerar o passado e agir no presente, de olho no futuro. E fazemos isso com constância e freqüência, em nosso cotidiano. Planejamos o que fazer com o orçamento doméstico, planejamos o final de semana, planejamos as férias, planejamos nossos relacionamentos, planejamos nossos maiores sonhos. Planejar é pensar, considerando o que queremos (os sonhos aí incluídos), o que temos, o que podemos.
Planejar um espaço de leitura significa: a) definição do tipo de espaço (centro de multimeios, biblioteca, sala de leitura, cantinho de leitura, etc); b)definição e levantamento de realidade do local de funcionamento; c) definição do público a ser atendido; d)levantamento dos recursos materiais e pessoais já disponíveis e do necessário (acervo, inclusive e principalmente); e)proposição de um cronograma e f) busca de uma parceria (ong, patrocinador, mecenas, governo, etc). Ao definir as etapas anteriores, obrigatoriamente, serão definidos a justificativa, os objetivos, os recursos disponíveis e os necessários, o público a ser atendido e o modo de operação.
Objetividade, criatividade e coerência devem acompanhar o planejador. Também deve ser pensado o marketing do espaço: criação do nome, fortalecimento da marca, da identidade, projeção do espaço, "venda" da idéia, do trabalho, do espaço para a comunidade usuária e externa. É preciso quebrar o ranço de que marketing diz respeito apenas ao consumo de roupas, carros, edifícios, perfumes, sapatos, filmes, novelas, etc. Marketing é a ação de fixar na mente das pessoas que um determinado produto ou serviço tem qualidade superior, merece ser visto, merece ser "consumido", pode ser comprado, pode ser incorporado, precisa receber apoio, etc. Comece, portanto, criando um nome para o seu espaço de leitura. Envolvam as pessoas nessa decisão. Crie um slogan, um lema, um grito de guerra. Envolva o nome e o slogan em temas abrangentes de valorização social da leitura, de identidade cultural, de cidadania, de direitos cidadãos, de melhoria da qualidade de vida. O nome, a marca e o slogan acabam por ganhar espaço no entendimento das pessoas, que passam a ter mais simpatia e melhor acolhimento pelo serviço oferecido. Envolver outras e tantas pessoas, quanto mais gente melhor, é a grande sacada de projetos vitoriosos contemporâneos. Aposte nessa direção: quanto mais a sua comunidade se envolver no projeto maior será o sucesso do empreendimento.

2. Ocupação do espaço

Se o seu projeto não é itinerante, certamente o espaço é fundamental. Basicamente, quando falamos de espaço de leitura, estamos pensando em um espaço físico construído (amplo e adequado às funções que se propõem), em um mobiliário, próprio ou adaptado (mesas, cadeiras, prateleiras, estantes, caixas e caixotes, murais, tapetes, almofadas, etc), equipamentos (computadores, impressora, material para controle de empréstimo, equipamentos de outras mídias, baús com roupas e acessórios para dramatização e improvisação, panos, estrados, armação de madeira para uso de fantoches, fantoches, bonecos e personagens, material de consumo, etc.) e acervo. Estas são as necessidades básicas componentes de um espaço de leitura minimamente preparado para o início do trabalho. Bem preparado e organizado, é referência, ponto de partida e chegada, mesmo sendo um caminho em constante construção.
O espaço de leitura deve ser amplo, aconchegante, gosto, limpo, organizado. Criativo. Quando os recursos não são suficientes para aquisição de tudo, logo de saída, a criatividade deve entrar em ação e buscar saídas interessantes, diferentes, inteligentes. Se as prateleiras e estantes ainda não chegaram, os livros precisam de mobiliário para se acomodar e serem expostos. Um baú reciclado ajuda, uma caixa de madeira recuperada também. Ganchos de metal perdidos em algum depósito podem servir para perdurar livros, coleções. Um varal de roupas que ninguém mais quer poderá servir como expositor de um varal permanente de poemas ou de artigos ou opiniões. Assim por diante, não há limite para a criatividade. A inventividade também deverá ser colocada em prática quando a organização do espaço de leitura for pensada. Onde e como expor os livros, que "cantos" deverão compor o espaço (cantinho das fadas, das bruxas, dos poetas), que promoções serão rotineiras (autor do mês, mês dos contos de fadas, espaço para contação de histórias). O mural, ou murais, deverão ser espaços vivos, a voz de quem lê e quer continuar a conversa. Ou a voz de quem ainda não leu e procura indicações. A voz múltipla de quem fala por outros textos: artigos, informações, campanhas, etc.
O espaço de leitura deve ser aconchegante, instigante, conversador, atraente, convidativo. Deve ter cara, jeito e perfume de gente. Deve conversar com os leitores ou futuros leitores. E, sobretudo, deve ter um nome.
Finalmente, uma última observação: o espaço não precisa ser o único encontro e ponto de diálogo dos leitores usuais ou potenciais com as obras e textos. Um espaço estendido, expandido e móvel também é possível. Outras paredes podem anunciar livros novos ou provocar curiosidades. Uma cesta ou uma caixa ou um baú acoplado a uma velha bicicleta pode ganhar outros espaços e percorrer a comunidade oferecendo livros, textos, conversas e diálogos. Amplie os limites do espaço. Não deixe que o espaço limite o seu horizonte.

Acervo

Acervo é um substantivo coletivo. Indica uma coleção, um conjunto de objetos da mesma natureza. Um acervo de livros, de documentos históricos, de quadros, etc. Um acervo de uma sala de leitura pode ser composto por livros, artigos, mapas, documentos, dvds, fitas de vídeo, etc.
Inicialmente, um espaço de leitura deverá privilegiar acervos de livros.
Parte do acervo poderá ser doada. Quando for o caso, dependendo da fonte doadora, podem ser adotados o critério de qualidade, interesse e pertinência do material doado. Caso contrário, a doação nada mais é do que uma ação de botar para fora objetos inservíveis, velhos, desatualizados.

Parte do acervo poderá ser comprada. Quando for o caso, alguns critérios poderão ser observados, tais como: a) variedade (de temas e de gêneros: livros de poesia, de ficção científica, de terror, de aventuras, de fantasia, de contos, policiais, romances; livros de curiosidades, de informações sociais e científicas; dicionários e pequenas gramáticas da língua portuguesa); b)adequação à faixa etária dos leitores (critério bastante discutível, que deve funcionar mais como um referencial do que uma orientação rígida. Catálogos de algumas editoras prestam esse serviço, na maioria das vezes de modo muito rígido, já que se destinam à adoção e adoção se processa sempre por séries escolares. À medida que o leitor vai se formando e se interessando mais e mais por leitura, maior é o seu olhar e possibilidade escolha. Por outro lado, alunos mais velhos que não passaram por etapas iniciais, por leitura dos contos de fadas, por exemplo, poderão querer lê-los, por mais estranho que possa parecer. Não há problema nenhum nisso.); c)qualidade material ( em tempos de consumo rápido e efêmero, os objetos costumam ter vida breve, o tempo do perfume que as flores exalam. Procure mesclar qualidade material com os outros critérios, inclusive preço.) d) qualidade visual ( principalmente os livros destinados aos leitores menores, em que as ilustrações desempenham um papel fundamental, a qualidade gráfica e visual deve preponderar. Nossa indústria gráfica e nossos artistas da imagem têm qualidade de sobra para produzir verdadeiras obras primas; e)qualidade de textos (não confundir esse critério com censura. Qualidade de texto, talvez o critério mais difícil para balizar escolhas, deve permitir a separação dos textos bem escritos, que respeitam a língua e que criam imagens literárias bonitas, fugindo da mesmice. Os textos não literários, que também deverão fazer parte do acervo, devem ser bem escritos, claros, objetivos. Os livros premiados podem ser um balizador, embora nunca o único. Os livros que superam a barreira do tempo e continuam sendo publicados e lidos durante muito tempo é, sem dúvida, um indicador de qualidade.)

A escolha de um acervo, em tese, deveria sempre ser feita por quem vai usá-lo. Os leitores formados não pedem para outras pessoas comprarem ou emprestarem livros em bibliotecas. Eles mesmos se encarregam dessa tarefa. No máximo ouvem sugestões. Uma escolha de acervos sempre envolverá preferências pessoais. O importante é garantir a variedade.

3. Coração batendo, olhos abertos e mãos na massa: fazendo a leitura acontecer

Colocar em funcionamento um espaço de leitura significa conjugar muitos verbos de ação: propor, procurar, arrumar, instigar, conversar, oferecer, dialogar, expor, organizar, pedir, controlar, arrumar, contar, olhar, brincar, ouvir, trocar, propagar, buscar, abrir, fechar, limpar, sensibilizar, mostrar, ensinar, dirigir, vender, mostrar, improvisar, criar. A lista é imensa e permite mais e mais.

Algumas regrinhas básicas sem as quais os finais de semana continuarão acontecendo do mesmo jeito, mas com as quais as coisas poderão andar melhor no espaço de leitura.

-nenhuma regra é definitiva
-o leitor tem sempre razão
-quem lê por último sempre lê melhor
-um livro fechado não vale sequer o papel
-gente nasceu para brilhar e...andar com os olhos cheios de livros
-sala de leitura fechada é sinônimo de ignorância
-em matéria de leitura, prefira a criatividade à repetição da mesmice
-ofereça livros o tempo todo
-não aceite um não como resposta
-cada um tem seu ritmo próprio de leitura
-livro roubado é como coração roubado: denuncia um novo apaixonado na praça
-simpatias também ajudam na promoção da leitura (experimente dentes de alho pendurados atrás da porta)
-seja você também um leitor
-acredite: uma boa história cura paixão recolhida, dor de cotovelo, saudade, tristeza embutida, bicho de pé...
-não esconda os livros: exponha-os. Nada de mostrá-los pela lombada. Quem gosta de lombada é chicote.

Há muitas ações a serem desenvolvidas, dependendo das condições próprias de cada espaço, de cada local, cada grupo, do conjunto de participantes, do tamanho do acervo, do tempo aberto, de disponibilidade de cada formador de leitores. Sugerimos abaixo algumas ações possíveis, necessárias e desejáveis.

Organização e controle
São necessárias ações de:
-organizar os livros por temas, assuntos ou gêneros, dispondo-os de modo que sejam vistos;
-organizar os livros por interesses dos leitores (cantinho das fadas, de poesia, de terror, etc)
-controlar o empréstimo dos livros através de um livro/caderno apropriado ou de um programa simples de computador;
-registrar os livros existentes no espaço de leitura em um livro de tombo apropriado ou em um programa de computador;
-registrar os dados dos usuários, sua progressão como leitores, em um programa de computador.
Regra básica: o controle deve ser exercido no limite da avaliação e acompanhamento, sem jamais ser impedimento de empréstimo ou uso.

Divulgação e construção da identidade do projeto
São convenientes e interessantes as ações de:
-criar o nome do espaço;
-criar um slogan para o espaço/programa/trabalho;
-vincular o espaço e a promoção da leitura com cidadania, melhoria na qualidade de vida, direitos, etc;
-divulgar o espaço e suas ações;
-vender a qualidade do trabalho;
-divulgar as realizações;
-procurar parceiros;
-ampliar número de voluntários;
-envolver a comunidade usuária real ou potencial.
Regra básica: diga ao mundo que vocês existem, que o trabalho é bom, que aceitam novos parceiros.

Ampliação de acervo
São desejáveis ações de:
-realizar campanhas de doação (deixando claras as necessidades do espaço/sala de leitura, descartando material superado e descartável);
-aquisição de livros com recursos próprios.
Regra básica: livros são bens de consumo de duração não muito longa. A reposição deve ser feita sempre, continuamente, com novos exemplares dos livros já tombados e com novos produtos.

Criação de programas rotineiros
São necessárias e desejáveis ações de:
-criar momentos específicos de empréstimo de livros;
-criar espaços, locais e peças próprias para a divulgação de novos livros;
-criar cantinhos (das fadas, das bruxas, de ficção, de terror, de poemas, etc);
-propor o autor do mês (escolher um autor e explorar sua vida, sua obra, com pesquisas, entrevistas, etc);
-criar a hora da história (histórias contadas pelo formador/educador/voluntário ou por pessoas da comunidade)
Regra básica: a rotina também faz parte da vida das pessoas. Saber que, por exemplo, toda terça-feira, de manhã, uma história será contada, aproxima os usuários e ajuda-os a organizar sua vida.

Aproximação e oferta de material de leitura
São desejáveis as ações de:
-apresentar-se e agir como leitor e deixar isso explícito aos leitores/as principiantes ( o formador de leitores tem que ser também um leitor, uma leitora);
-receber leitores com bom humor e alegria (promover a leitura não combina com azedume e mau humor);
-conhecer os produtos que há para serem lidos e oferecê-los no momento certo ao leitor certo (uma garota que descobre o amor em sua vida, certamente gostará de ler uma história de amor ou um almanaque de amor);
-ampliar a oferta de livros para a comunidade, levando os livros até as casas dos possíveis leitores, como verdadeiros mercadores da leitura (cestas, sacolões, caixas e baús servirão para levar os livros aos leitores).
Regra básica: o livro tem que ser apresentado e oferecido ao leitor; o leitor tem que ser convencido que ler é muito melhor do que ele pode imaginar.

Diálogos com a leitura
São desejáveis e possíveis ações de:
-utilização permanente de murais para exposição de artigos selecionados pelos leitores, textos produzidos pelos leitores a partir de outras leituras, exposição de resenhas feitas pelos leitores, etc;
-criação de um varal para divulgação de livros, artigos, poemas, textos feitos pelos leitores, etc;
-registro da memória de leitura de cada leitor, em cadernos próprios ou no site do programa ou no computador;
-trocar correspondências com outros leitores, por e-mail ou correio, sobre livros e leituras;
-produzir textos, em outras linguagens, a partir das leituras.
Regra básica: estimule o diálogo do leitor com os textos impressos – e eletrônicos – antes, durante e depois da leitura.

Aí estão algumas orientações para a implantação de um espaço de leitura e promoção da leitura. Adapte-as ao seu projeto, ao seu cotidiano, e vá em frente. Não dispense a criatividade, a quebra da rotina, a inventividade. Olhe as coisas por outro lado, de outra maneira. Busque saídas menos comuns. Instigue, desburocratize, converse, peça ajuda. Seja dono de sua prática.
Pratique leitura você também. O melhor caminho pode ser esse.

* Texto escrito para o o volume I da coleção Prazer em Ler, do Programa Prazer em Ler, do Instituto C & A e do CENPEC, SP 2006

 
     
 

O MEDIADOR DE LEITURA :
conversas sobre sua identidade em quatro tons e meio *

1. O texto não diz tudo.

Um texto nunca diz tudo. Diz um pouco de quem o escreveu, da época em que foi escrito, outro pouco de um assunto qualquer e alguma coisa sobre como foi escrito.
Um texto é uma estrutura porosa, aerada, uma teia vazada, uma parede cheia de buracos. Um texto é uma prece indigente à espera do seu outro, o leitor. Um texto propõe e espera. Abre-se e convida o leitor, oferecendo senhas, dicas, chaves e pistas em troca da construção de sentidos.
Um texto é um corpo que espera o entalhe, o corte, a cisão, a costura, a emenda. Um caminho que se oferece ao caminhante. Um texto é uma estrutura de ferro, dura, firme, seca e rígida, que espera vir o ferrageiro com o fogo incandescente dar-lhe forma e sentido.
No entanto, o texto pode ser uma doce armadilha que prende e envolve o leitor, pois as palavras são rebeldes, não querem ser dominadas, e se escondem em formulações acomodadas. E o leitor, como o escritor, envolve-se com elas, lutam, ganham, perdem, procuram saídas, inventam resultados. O poeta Drummond anunciou-se um lutador que lutava com as palavras todos os dias, mal rompida a manhã, dando-lhes ou tirando-lhes sentidos.

Quando texto e leitor se encontram, e a espera rebelde impõe a ausência do diálogo e é a presença mais intensa, eis aí o espaço do mediador.

2. Contextos do mediador

O mediador é um animador, um sujeito que está no meio de processos dialógicos, cujas características pessoais são difíceis de serem precisadas, entre outras razões, porque o mediador se faz em meio a um contexto histórico. O contexto histórico particular de cada mediador, sua história de vida, é diferente, mas o contexto geral, social e político, é o mesmo.

A sociedade mais ampla, o contexto político e social que serve de pano de fundo para o cotidiano concreto, caracteriza-se por contradições evidentes: o excesso de informações disponíveis e o baixo nível de acesso às informações; a demanda por leitores competentes e o pouco domínio de capacidades e habilidades leitoras. A sociedade contemporânea, apesar da presença avassaladora da imagem e do virtual, exige dos cidadãos um desempenho leitor cada vez mais qualificado. Diante de operações lingüísticas necessárias cada vez mais complexas e de objetos de leitura também cada vez mais complexos e diferentes, o mediador é um protagonista mais do que necessário.
Estamos a todo o momento buscando quem nos ajude a superar dificuldades, a encontrar caminhos no emaranhado de possibilidades, a refazer idéias, a costurar significados. Mais interessante é observar que o mediador muitas vezes faz o percurso junto, ele mesmo é um sujeito em processo, alguém que vai se formando leitor à medida que vai formando outros leitores. O mediador de leitura nunca está definitivamente pronto: será sempre um vir a ser.

Podemos dizer que nesse trânsito, nessa aprendizagem contínua, nesse diálogo ininterrupto, o mediador vai se fazendo entre "oposições tensas" da teoria e prática, do falar e ouvir, da paciência e impaciência, do sonho e do real.

Entre os pólos da teoria e prática, o mediador deve se mover evitando o pragmatismo exagerado e redutor e a teorização inútil e distante da realidade concreta. O mediador precisa distanciar-se do vazio existente entre o pensamento e a ação, idéias e práticas, dizer e fazer. Ocupar a sua atuação com base em apenas um dos pólos é reduzir a perspectiva de ensinamento e aprendizagem, pois todo processo é teórico e prático ao mesmo tempo.

Outra oposição tensa é entre os pólos do silêncio e da fala. O homem é o seu discurso, a sua expressão, a sua fala. A mediação se faz pela fala, pela expressão, pelo dizer, pelo argumento. No entanto, do outro lado, o mediador deve prever o espaço do silêncio, do vazio que é preenchido pela fala do outro, pela complementação do diálogo. Informação e conhecimento se fazem no espaço do poder, espaço que prevê silêncio e uso da palavra. Se quem possui o conhecimento não abre espaço para ocupação da fala do outro, o que se instaura é o poder autoritário. Muitas vezes, o mediador tem que se calar e abrir o silêncio para que um outro poder e novas palavras sejam inaugurados. O uso constante da palavra por quem tem o poder é manifestação do autoritarismo, prática que, de longe, o mediador deve descartar. Mediar é estar entre o uso da palavra e o silêncio.

A oposição tensa entre a paciência e impaciência deve ser considerada e superada. Nenhum trabalho é feito de uma hora para outra. Há conflitos e dificuldades a serem superados. As limitações de cada um de nós, as do mediador em particular, impõem uma paciência necessária, uma espera sábia, um vir a ser, um resultado de aprendizagem. No entanto, a espera paciente não pode ser atitude de acomodação, de espera sem perspectiva, de afastamento do trabalho. As propostas de ação mediadora serão cozidas no fogo paciente da impaciência.

Um mediador viverá sempre entre o sonho, a utopia desejada e necessária, e a realidade objetiva, concreta e presente. Os pés na realidade; as asas nos sonhos. Sonhar uma utopia é o desejo de mudar uma realidade. Viver uma realidade, compreendê-la em toda sua diversidade, é a substância do sonho. A locomoção entre estes pólos de oposição dará energia ao mediador, ora banhando-se na realidade, ora buscando energias no sonho. O sonho e a utopia estão adiante, num lugar possível; a realidade está próxima. Propor sonhos é tarefa desejável e necessária do mediador.

3. Um jeito de ser

Um mediador de leitura é difícil de ser mapeado, de ter o seu perfil de atuação definido, diagnosticado, exposto, evidenciado. Sobretudo porque sempre atua em situações e contextos diferentes, porque dificilmente as ocasiões se repetem e as pessoas não são as mesmas nem mesmo diante dos mesmos textos. No entanto, tentaremos propor um traçado, um conjunto de características que pode servir como uma bússola, um referencial, um mapa a nortear os que querem formar leitores ou formar-se mediador de leitura. É evidente que o conjunto dessas características é mais do que tudo um ideal a perseguir, visto que o mediador, ele próprio, é um educador em processo constante de formação. Por outro lado, convém ressaltar que muito das características que compõem esse painel só poderão ser perseguidas se o coletivo do grupo no qual está inserido o mediador e o seu trabalho também caminharem nessa direção.
Não há caminhos feitos. O caminho é feito ao caminhar. Caminhemos!

A primeira e indispensável condição de ser um mediador é que ele seja um leitor. O que é ser um leitor? Aqui, rapidamente, faremos alguns comentários, apenas suficientes para dar pistas do que é ser leitor. Um leitor é um sujeito que gosta de ler, que tem nos textos um instrumento de relação com a vida. O leitor sabe, e sente prazer nessa jornada, que os textos fazem parte de sua vida: são substância, essência, substantivo. Sabe, e tem apreço por isso, que nos textos ele aprende, se diverte, busca instruções, novas informações, novos relacionamentos, novas visões e entendimentos de mundo. Um leitor tem no livro, no jornal, na revista, nos textos da tecnologia e da informática, companheiros de vida, cúmplices da existência.

Um mediador deve ser curioso. Não aquela curiosidade ruim, negativa, bisbilhoteira. Um curioso que satisfaz sua curiosidade através da pesquisa, da procura incessante por novidades, soluções e encaminhamentos. Um pesquisador da realidade do seu contexto e dos seus leitores. Um sujeito que, embora satisfeito com o trabalho, sinta-se permanentemente aberto a novas mudanças, como uma criança que descobre o mundo a cada instante. Tudo deve chamar sua atenção.

A criticidade faz bem a todos. Mais ainda ao mediador. Não aquele espírito crítico insatisfeito com tudo ou provido de uma falsa noção de que sabe muito e nada mais o interessa. Nem os outros. Ao mediador fará bem perseguir o aprofundamento do conhecimento da realidade em que vive e atua, tanto local quanto universal. Procurar saber para além das aparências e da superfície das coisas, mesmo porque isso será de grande utilidade nas mediações que fará com seus leitores. Conhecer a aparência, mas buscar a essência das coisas, das relações, dos movimentos sociais, da política, da existência. Ser crítico não significa para o mediador ser pessimista, derrotado, descrente, travado. Pelo contrário, o espírito crítico, aliado à curiosidade permanente, é a base para a elaboração de propostas de mudanças, plataforma para a melhoria da qualidade de sua atuação e dos seus leitores. Do espírito crítico certamente deverá fazer parte um entendimento de que o ser humano é um animal político, que vive em sociedade, para a qual deverão voltar suas atuações. O mediador deverá ter consciência de sua participação na vida dos seus leitores.

A um mediador de leitura convém ser democrático e responsável. Democrático no sentido de não se achar superior aos outros, de não se entender exclusivamente o mais capacitado, de se considerar o único capaz de orientar, de dizer caminhos, de propor alternativas. Todos temos saber e todos aprendemos com todos. Ao sujeito democrático cabe estar atento aos movimentos do seu grupo, às suas necessidades e desejos. Ouvir e ouvir. Considerar as possibilidades todas e analisá-las com seu espírito crítico e sua curiosidade. Ser democrático é trabalhoso e implica formação constante, atenção redobrada. Do espírito democrático, pelo trabalho atento, a responsabilidade certamente fará parte. É da natureza da democracia a responsabilidade, no sentido de ouvir, analisar e dar respostas. Assumir as diferenças, através do diálogo, dar-lhes guarida e propor repostas. Ser democrático não é apenas ouvir. É ouvir e incorporar, fundir idéias e propostas e comportamentos diferentes. Ao fazer isso, o mediador estará exercendo duas características necessárias ao seu ofício, necessárias e penosas, por isso muitas vezes mascaradas por falsidades ideológicas ou comportamentais.

Ser criativo não apenas é muito conveniente e interessante, como é também necessário e prazeroso. Muitas vezes, as propostas ou soluções estão próximas do mediador e um novo olhar, novo arranjo ou nova pergunta dá conta da melhor saída para a situação. Ser criativo pressupõe uma certa dose de inquietude e insatisfação. Calmo, quieto, parado e plenamente satisfeito, o mediador que se sente assim está com o trabalho findo, pouco há que fazer, a não ser gerenciar as rotinas. Ser mediador de leitura, porque os textos renovam a vida permanentemente, significa entender que nada está definitivamente pronto e acabado, que não há destino previamente traçado e que podemos fazer e refazer a nossa história, principalmente a mais próxima. Ser criativo é pensar sempre em outra possibilidade, em outro arranjo, em um novo jeito de perguntar e responder. É sonhar e imaginar e saber que tudo o que não foi feito ainda está por fazer e que um outro mundo está no horizonte de nossas possibilidades.

Embora organização não deva ser uma palavra de ordem, ser organizado faz bem ao trabalho do mediador de leitura. Planejar rotinas, momentos diversos, saber onde as coisas estão e porque estão, facilitar o acesso aos materiais e controlar entradas e saídas são necessidades básicas do trabalho de infra-estrutura do mediador.

Ser um bom ouvinte deve ser uma das características do mediador de leitura. Ouvir é pressuposto básico do diálogo. Ouvir com atenção e interesse, com cuidado, com respeito e responsabilidade. Sem ouvir não há sabedoria, não há conhecimento, não há participação. Ouvir é uma condição essencial, principalmente em uma sociedade que trata a todos como massa e oferece poucos espaços para as pessoas falarem da sua subjetividade. Saber e se propor a ouvir é de grande sabedoria. A sabedoria popular, em um dos provérbios criados pelo povo, nos ensina que somos dotados de dois ouvidos e uma só boca justamente para ouvirmos mais e falarmos menos. Ouvir para responder, para perguntar, para saber, para pensar, para participar, para encaminhar. Ouvir, enfim, para conhecer outros sentidos e outras razões da vida, além das nossas.

4.Os sentidos do fazer: as principais funções do mediador.

Um mediador pode apresentar-se socialmente investido de uma função ou cargo (um orientador de leitura, orientador de trabalhos, bibliotecário, educador-mediador, etc) ou simplesmente ocupar um espaço vazio, sem a oficialidade burocrática ou administrativa, aproximando das pessoas e estas dos objetos de leitura.
De um modo ou de outro, um mediador de leitura tem algumas funções a desempenhar, entre as quais podemos citar como mais definidas as de aproximar, seduzir, orientar, compartilhar e dialogar.

Aproximar leitores potenciais ou aprendizes da leitura dos objetos portadores de texto (livros, jornais, revistas, textos escritos disponíveis e correntes na Internet) é uma das funções prioritárias do mediador, facilitando o acesso, oferecendo, convidando a conhecer e descobrir, disponibilizando.

Seduzir os leitores, aproximando-os dos textos, usando argumentos que os convençam do prazer da leitura, da beleza e riqueza dos textos. A sedução dar-se-á por palavras e idéias que deixam os leitores com potencial interesse na leitura do material citado. Não há regras exatas e prontas para o exercício da sedução, mas, de certo, falar de textos com prazer, emoção, argumentos bem definidos e sabedoria, além de um toque de charme pessoal, podem resultar positivamente. Leitores autônomos, formados e bons conhecedores do que falam costumam encantar ouvintes por suas palavras sábias, por sua lógica de análise e pela relação de um texto com outro. Seduzidos, os leitores querem ler o que foi citado e, se não saem loucos e alucinados atrás do objeto de leitura, pelo menos, demonstram interesse em ler e procuram o que querem. Daí ser interessante dar dicas de onde encontrar o que foi citado, comentado e elogiado.

Orientar os leitores que aprendem a ler. Antes, durante e depois da leitura. Ajudá-los a conhecer os tipos de textos, sua circulação social, o contexto de produção, os significados carregados dos textos, sua relação com outros textos. Ajudá-los a definir os objetivos da leitura e encurtar o caminho, saboreando mais tempo o que querem ou precisam ler.

Compartilhar saberes, eis outra tarefa do mediador de leitura. Todos temos saberes e os saberes devem ser partilhados entre os envolvidos no processo de aprendizagem da leitura. Ao mediador cabe a tarefa de compartilhar significados, renovando velhas significações, instigando o pensamento na busca de outros significados, contrapondo diferentes visões e entendimentos.

Dialogar, com leitores e textos. Fazer o diálogo acontecer entre aqueles. Esta é a função básica e essencial do mediador, em meio a um clima de cumplicidade e proximidade.

A virtude está no meio?
Certamente, muitas das propostas aqui apresentadas, claramente na direção de dar pistas à caracterização de um mediador de leitura e suas principais tarefas, situam o mediador e o seu fazer no meio de um diálogo constante, atento, ouvinte, necessário, contextualizado. Seja no meio dos pólos de oposições tensas, buscando superá-las, seja no meio de uma relação entre leitores possíveis e objetos portadores de textos, buscando uma ação mais qualificada.
Aí estão informações que poderão ajudar quem estiver disposto a trilhar a formação de ser um mediador ou formar mediadores.
Alguém se habilita a verificar se a virtude está no meio?

* Texto publicado no Volume 2 – Prazer em Ler, publicação do Programa Prazer em Ler. SP 2007, Instituto C&A e CENPEC.

 
     
 

O MAPA DO TESOURO*

Como se sair bem nas atividades de incentivo à leitura em quinze e meia preciosas lições. Um roteiro despretensioso com dicas para se chegar ao sucesso como programador e estimulador das práticas de leitura. Como todo roteiro, admitem-se falhas, lacunas e incompletudes. Como todo roteiro, aceitam-se novas lições, emendas e sugestões, desde que devidamente assinadas por sujeitos interessados, interessantes e éticos. Até porque nele não há desvios, pistas falsas ou alarmes enganosos. Ramos de arruda e dentes de alho poderão ajudar na leitura e no entendimento do roteiro. Mas não perca de vista um lembrete em boa hora: como todo roteiro, este também está sujeito a chuvas e trovoadas.

Primeira lição: crie um ambiente leitor

Se o objetivo a ser atingido é o sucesso nas atividades de leitura, nada mais acertado do que organizar um ambiente leitor, onde a visualização dos objetos de leitura seja fácil, o acesso não seja dificultado e a ilustração ambiental seja estimulante. De que adianta um espaço bonito, perfumado, limpo, em ordem e agradável se os livros, jornais e revistas estão escondidos, guardados, sumidos. Um ambiente leitor tem que estimular os olhos, aguçar a vontade e a curiosidade, mexer com o desejo do usuário. Estas coisas são possíveis se a vista do leitor alcançar aqui e ali, espalhados no espaço, capas de livros, livros dispostos em "cantos", revistas disponibilizadas, recortes de artigos e outros textos informativos expostos, murais com informações, etc. Os grandes chefes de cozinha afirmam sem medo de errar que "também se come com os olhos". Por extensão, podemos afirmar que "também se lê com os olhos". Pode parecer óbvio, mas não se importe com essa aparente obviedade. De verdade, também se lê com os olhos.

Segunda lição: busque parceiros e cúmplices

Não vista a roupa de salvador da pátria. Não cabe bem nesse tipo de trabalho. Não se isole, não sofra as dores insensatas da solidão. Nascemos na/da relação de pessoas, sobrevivemos e crescemos, em todos os sentidos, na dependência de outras pessoas. Somos, cada um de nós, o resultado do que o mundo é. Nesse sentido, arregace as mangas e busque ajuda, parceiros, cúmplices. Primeiro, veja com quem pode contar entre as pessoas mais próximas, as que se oferecem de cara, de imediato, cheias de vontade. Depois, abra um pouco mais as asas e receba outras pessoas, da comunidade.Sempre haverá por perto, ou nem tão perto como desejaríamos, alguém disposto a ajudar e oferecer alguma contribuição. De repente, não mais que de repente, aquele senhor idoso que está sempre por ali, esticando os olhos nas coisas que você faz sozinho/a, pode ser um excelente contador de histórias ou um hábil marceneiro que terá prazer em ajudar a arrumar a estante desconjuntada que vocês receberam de doação e está meio inutilizada por falta de pequenos reparos. A vida é assim: pequenos reparos são quase sempre grandes consertos. Aprenda a botar reparos com os olhos nas pessoas que estão por perto. Um por todos e todos por um, já pregavam sabiamente os bravos mosqueteiros.

Terceira lição: faça marketing do seu projeto, do seu trabalho, do seu espaço

É bom cantar e contar ao mundo sobre a qualidade do seu trabalho. Chamar a atenção dos outros para o seu projeto é afirmar a identidade do trabalho, é dizer bem claro "olha, nós existimos, nós temos vida própria, nós estamos aqui!" Quem não é visto não é lembrado, quem não é lembrado não existe. Faça o marketing, venda o seu trabalho, o seu gosto naquilo que faz, a crença em um bom projeto. Esta é a melhor maneira de chamar atenção dos outros, de voluntários, de parceiros, de patrocinadores. Quem está vivo aparece, manda notícias. Invente um nome, crie um slogan e uma logomarca. Peça ajuda, faça concursos, envolva outras pessoas nessa tarefa. Será muito bom para os envolvidos no projeto se, na comunidade mais próxima ou nem tão próxima assim, todos reconhecerem e derem nome ao seu trabalho, com cpf e rg, com cara, nome, marca e identidade própria. Nesta época de consumidores vorazes por marcas e grifes, nada mais atual e pertinente do que criar uma história para o seu projeto, inciando com o registro do nome e tirando a carteira de identidade.

Quarta lição: quebre a rotina

Ah! é verdade: para tudo na vida há uma rotina estabelecida. Da forma habitual de dormir até o jeito de amar, quase tudo cabe nas dobras insossas da rotina.E não há nada mais superficial, sem sal e açúcar, do que a rotina. (Talvez por isso, tenhamos tanto ojeriza à expressão "criar o hábito da leitura"). Vá lá: é impossível viver sem uma rotina. Correto. Mas deixemos essas coisas da rotina para as atividades que não cheiram nem fedem, tipo fazer chamada dos presentes, recolher livros devolvidos, espanar o pó, fechar portas e janelas, etc. Nada mais triste do que a predominância da rotina nas atividades de estímulo à leitura, nada menos prazeroso, nada menos glamouroso. Invente, crie práticas diferentes. Leia, pesquise, pergunte, troque idéias com outros parceiros, inverta a ordem das coisas, misture idéias, abra os olhos para outras práticas. Lembre-se dos versos da bela música de Cazuza, O Nosso Amor a Gente Inventa. Inventa pra se distrair...Distrair não no sentido de perder a atenção; ao contrário, no sentido de reter a atenção, de buscar novos prazeres, novos modos de se viver. Um belo dia, um leitor ainda meio sonolento chega ao espaço de leitura e encontra um baú enorme, desconhecido, fechado, bem no meio da sala, com um pequeno cartaz onde se lê "tesouro do pirata dos três olhos" ou então, ainda sonolento e mal acordado, o leitor chega e encontra todos os livros de cabeça para baixo ou então, menos sonolento do que nos outros dias, o leitor chega e vê logo na entrada um cartaz com a informação "semana de promoção: leve três, leia quatro e pague apenas com conversa". E porque não convidar o Harry Potter para ser entrevistado ao vivo e a cores, com dia e hora marcados? Vire-se e acerte uma agenda com o bruxinho, afinal, em terra do tudo é possível, nada é impossível.

Quinta lição: nada escapa a um bom dedo de prosa

Conversar é bom, faz bem para a alma e para a inteligência. Conversar faz circular as idéias, troca os pensamentos de lugar e de dono, mistura novos conhecimentos com os saberes mais antigos. Amolece a sabedoria cristalizada e faz circular sangue novo no corpo do conhecimento. Conversar é uma das práticas mais antigas do ser humano, uma das grandes diferenças entre nós e os outros animais. Conversar é usar a língua, esse poderoso instrumento de tecnologia inventado pelos humanos há milhares de anos atrás. É deslocar os significados de um lado para o outro, criar novas sensações e modificar sentimentos. Conversar é atualizar as verdades, é recuar o tempo, é acrescentar informações, é dividir visões diferentes de coisas iguais. Conversar é crescer. Pode-se conversar por diversas razões, por diferentes motivos, com variações de intensidade. Pode-se conversar também sobre aquilo que se leu, ampliando os sentidos, alterando rotas dos significados, circulando novos conhecimentos, abrindo os olhos ou simplesmente trocando prazeres num dedo de prosa. Conversar é uma extensão natural da leitura. Conversar sobre o material lido é um prolongamento da delicadeza da sabedoria humana. Converse, meu caro incentivador de práticas de leitura, mesmo que seja quebrando o silêncio de outros leitores.

Sexta lição: dê o exemplo. Ninguém ensina bem aquilo de que não gosta

Pode parecer uma bobagenzinha à toa, mas não é. Gostar das coisas que se quer ensinar é muito importante. A razão fundamental desse princípio é elementar: os aprendizes desconfiam de quem ensina sem gostar. No fundo, persiste aquela dúvida "se até quem tem a obrigação de ensinar não gosta, porque eu tenho que aprender?" O professor Paulo Freire, um dos maiores educadores do nosso país, reconhecido internacionalmente, falava de uma amorosidade no ato pedagógico, um prazer que acompanha ou deveria acompanhar todo ato de ensinar. Por isso, parece claro: se você não gosta de ler e torce o nariz quando precisa ler alguma coisa, dificilmente dividirá com outra pessoa um prazer que não tem, nem tampouco contagiará alguém com um sentimento prazeroso que não sabe experimentar nem viver. Por outro lado, gostar de ler, aprender a ler e descobrir a necessidade de saber ler são práticas que podem ser aprendidas. Ninguém gosta daquilo que não conhece e só conhece tais práticas entrando de cabeça nelas. Assim como o diálogo do aprendiz de natação é com a água, o diálogo do aprendiz de leituras é com os textos. Aprende-se a ler e a gostar de ler lendo.

Sétima lição: tudo pode ser lido

O que pode ser lido? Se você ainda não descobriu a resposta para essa pergunta, sente-se, com calma, tome um gole de água fresca, abane-se e ouça: tudo. Qualquer coisa escrita, impressa ou eletrônica. Não há fronteiras entre o que pode e o que não pode ser lido. De um bilhete de amores rancorosos até um tratado de filosofia, passando por bulas de remédio, tudo pode - e deve, na medida do tempo, do espaço e do interesse - ser lido. De cada material lido há de se tirar o que o texto permite, empresta, doa, sugere, conversa, instiga, instrui, informa. Cada texto tem uma cara e uma identidade, um jeito de apresentar. Nos mais longos, pode-se ler a paciência de aprender aos poucos; nos mais densos, pode-se ler a calma da construção paciente; nos brevíssimos, pode-se ler a profundidade das coisas superficiais. Nos informativos, há que se ler algumas razões práticas da vida; nos informais, há que se descobrir que nem tudo é tão profundo como pensamos; nos mais bem acabados, há que se ler a mão dos homens sempre presentes na construção de nossa cultura. Um texto, um cheque bancário, um recado na parede, uma pichação, um prontuário médico ou as deliciosas memórias do escritor colombiano Gabriel Garcia Márquez, qualquer que seja ele, nos dá pistas da vida, da diversidade dos saberes, da riqueza da pluralidade, dos múltiplos pedaços da experiência da humanidade. Um artigo assinado, no jornal diário, pode nos tirar o sono da manhã. Um livro de memórias pode alertar nossas lembranças esquecidas. Um cheque devolvido por falta de fundos põe as evidências da vida diante de nós. Uma dessas tantas crônicas sem assinatura que circulam na rede eletrônica, menos do que querer saber se há verdades ou não naquele anonimato, nos instiga a pensar sob aquele outro ponto de vista. Como uma grande antena parabólica, deixe-se receber todos os textos possíveis. A prática da leitura determinará, aos poucos, a seleção do que ler. Sem pressa. A pressa, nesse caso, só cabe se for para descobrir o prazer que rola na vida dentro dos textos.

Oitava lição: qualquer um pode ser usuário leitor

Qualquer um pode chegar, tomar lugar e viajar nas ondas do seu espaço leitor. Não cobre pedágios, passagens, tíquetes, impostos, taxas. Uns chegarão cedo, com a umidade da manhã, outros com os olhos mal dormidos, alguns com a pressa do atraso. Uns chegarão sem perguntar nada e outros, desconfiados, chegarão perguntando tudo, inclusive se há pagamentos a serem feitos por freqüentar o espaço. Uns chegarão mais para ouvir e depois perguntar e depois ler. Outros chegarão para ler, ler, ler. E nunca perguntar, pois preferem conversar com o texto. Outros passarão ao largo, distantes. Uns entrarão de cabeça. Alguns farão anotações e deixarão os olhos perdidos na imensidão das coisas não aprendidas. Uns chegarão pequenos, crianças assustadas diante dos tesouros do mundo; outros chegarão adultos cansados de tanto procurar saberes. Uns chegarão com paciência para ensinar e outros chegarão impacientes para aprender. Todos buscando descobrir o que poderá haver de novo no espaço de encontro de homens e textos, de leituras e conversas, de ensino e aprendizagem. Todos leitores das possibilidades. Todos possíveis leitores.

Nona lição: tenha poucas regras para o funcionamento e pouquíssimas ou nenhuma para o resultado da leitura

Bibliotecas, salas de leitura e similares quase sempre foram sinônimos de organizações cheias de regras e controle. Foram, hoje não mais o são. O que se privilegia atualmente é a simplicidade das regras de funcionamento. Claro que não estamos abolindo as regras de convivência, sempre necessárias em se tratando de relações humanas. Mas não devemos promover a excelência das regras e do controle em detrimento do uso, do manuseio, do acesso. Facilite o acesso, o empréstimo. Estimule a observação, a curiosidade, a tentativa de busca própria e escolha do material de leitura. Aproxime-se com cautela, não afugente o leitor iniciante com regras duras e inflexíveis. Uma semana para devolver um livro emprestado. Por que não deixar o leitor escolher o tempo que acha necessário para poder ler? Os horários não coincidem? Por que não criar um sistema de devolução por caixas de coleta, por exemplo? Flexibilizar as regras e discuti-las com a própria comunidade, responsabilizando também os leitores pela criação e respeito de novas regras de funcionamento pode ser uma boa saída. Quanto ao resultado da leitura, não se preocupe. O sujeito leitor vai se fazendo aos poucos e em ritmo próprio. Oferta, estímulo, continuidade, persistência, liberdade de escolha e oportunidade de diálogo vão fazendo a sua parte.

Décima lição: ajude a tirar do pedestal a cultura e a leitura

Invada a catedral e arranque a aura de sagrado dos livros e da cultura letrada. Foi-se o tempo que o entendimento de cultura ficava restrito ao conhecimento e apropriação de saberes artísticos, literários, musicais, livrescos, etc. Culta era a pessoa que falava bonito, que esnobava informações que poucos tinham, que vivia rodeada de livros por todos os lados, cultuando-os como se fossem o próprio saber e o máximo da cultura. Hoje, todos sabemos que cultura se faz a toda hora, todo momento, cultura é o resultado da relação do homem com a natureza e com outros homens. Fazemos, vivemos, temos, mudamos e transformamos cultura cotidianamente, qualquer que seja nossa origem, nosso credo, nossa raça e o nível de escolaridade. Nesse sentido, livros, jornais, revistas e acesso à comunicação escrita eletrônica são peças do nosso cotidiano com as quais devemos conviver naturalmente. Pense assim: um livro, um artigo ou reportagem de jornal e uma matéria de uma revista informativa só têm sentido quando são acessados por alguém, quando alguém põe os olhos nas informações e transforma aquele punhado de letras, palavras e frases em alguma coisa com significado. Leitura não é para poucos: leitura é para todos (por princípio deve ser). Nosso país tem um dos mais baixos indicadores de alfabetização e de leitura e isto não pode ser creditado exclusivamente à falta de material de leitura. Escolas, salas de leitura e bibliotecas públicas com razoável acervo vivem às moscas, por falta de leitores. Portanto, acione o estimulador de leitura, entre na parada e chame o povo para experimentar novos sabores.

Décima primeira lição: cuidados poucos e necessários com equipamentos e material de leitura

O planejamento e a colocação em prática de um projeto de formação de leitores, ocupando um espaço e usando equipamentos e materiais pressupõem, evidentemente, um mínimo de atenção e cuidado com o material. Todos sabemos o quanto as coisas custam e quão caro é a manutenção de muitas delas. Também sabemos que o uso e manuseio de materiais e equipamentos vão causando a perda de qualidade física desses materiais e equipamentos. Como isso é quase impossível - salvo se fecharmos em uma sala guardada a sete chaves todo o equipamento e material -, você tem que tomar alguns cuidados. O primeiro deles é convencer cada um dos usuários a ser ele próprio o dono momentâneo daquele equipamento e material, preservando-o como se fosse seu. Convencê-lo de que outras pessoas poderão usar e aproveitar. Outra dica é manter o espaço sempre em ordem, limpo, agradável. Isso dá sensação de responsabilidade, noção de importância. Espaço organizado, além de facilitar o acesso ao material, certamente permite a guarda imediata. O material não fica "perdido e solto" no espaço. Espalhe pelo espaço, sem ser agressivo, petulante e autoritário, cartazes com orientações e dicas de uso, manuseio, controle, guarda e devolução. Tipo "Conserve bem o livro que está com você. Outras pessoas também poderão sentir o mesmo prazer na leitura". Encontre a medida ideal entre um controle e guarda responsáveis sem ferir a iniciativa e a disposição do leitor em buscar novos materiais. Quem ama cuida, diz um dos provérbios populares mais populares entre nós, apreciadores da voz e da sabedoria do povo.

Décima segunda lição: quanto vale uma boa idéia

Uma idéia vale muito. Uma boa idéia não tem preço. Uma boa idéia não é para ficar guardada do lado esquerdo do peito, nem nas dobras do cérebro, tampouco trancada sob sete chaves. Uma boa idéia é para ser colocada em prática, a serviço das pessoas, para o bem estar coletivo. Boas idéias não aprecem assim, do dia para a noite, num estalar de dedos. É preciso vasculhar, garimpar, caçar e procurar, como se procuram tesouros perdidos: com lupas, com mapas, meticulosamente, com detalhe, com atenção, com paciência. Uma boa idéia pode surgir do nada, mas pode surgir também da confluência de vários fatores, tais como, olhar as coisas pelo avesso, revirar o outro lado, fazer perguntas diferentes com freqüência, habituar-se a fugir da rotina, pensar sempre em soluções diferentes, encomendar palpites, etc. Uma boa idéia é companhia contínua de pessoas e processos criativos. Pessoas e processos criativos convivem muito bem, e diariamente, com a inconformidade, com a desacomodação, com o prazer de inventar, de perguntar, de descobrir. Boas idéias surgem nas mentes curiosas, corajosas e ousadas, que gostam de arriscar na construção de novos caminhos, novos lugares. Ter boas idéias é uma fonte inesgotável de prazer, responsável pela presença do bom humor, porta aberta continuamente para outras boas idéias. Mentes curiosas, corajosas e ousadas apostam sem medo de perder, pois sabem que quase sempre ganham, que por trás, por dentro ou ao lado das coisas mesmas, fechadas, prontas, chatas e rotineiras certamente há outras mais interessantes, mais valiosas, diferentes, atrativas. Então, conforme-se com a inconformidade. Arrisque e crie. E divulgue ao mundo uma boa idéia, pelo menos uma vez por dia. Pratique esse esporte.

Décima terceira lição: seja um bom negociador, um adepto do diálogo

Pense bem: grande parte do sucesso das atividades de leitura e de formação dos leitores do seu espaço dependerão de você, de sua atuação, de sua performance. Em uma das lições anteriores tentamos convencê-lo de que não gosta de ler não conseguirá ensinar outra pessoa a gostar. Agora, o que estamos propondo é que você seja um bom negociador, um bom realizador de negócios, no sentido de realizar trocas, diálogos, aceitar e propor novas idéias. Em sendo assim, caberá a você uma posição de total predisposição ao diálogo, à conversa, à troca. Receber, sempre e primeiro, e depois propor. Dessa forma, é bom que você conheça os seus interlocutores, que saiba do que eles gostam, que faça indicações pertinentes, que respeite suas posições e comentários. Aos poucos, vá alterando esses limites e propondo outros horizontes. Quem só gosta de ler romances policiais, deverá um dia ouvir uma sugestão sua, uma observação, uma proposta de nova leitura. Um livro de poemas, por que não? Vá com calma. Devagar se vai ao longe, é verdade, mas não tão devagar. Apresse quando necessário e quando sentir que a hora é chegada. Dê ao seu leitor a segurança de um caminho conhecido, mas não esqueça de propor a ele abertura de novos caminhos. Saiba que, em matéria de diálogo, de negociação de idéias, às vezes é preciso recuar, tomar impulso e depois saltar, ganhando o que estava perdido. E saiba também, talvez essa a maior de todas as recomendações: ninguém é tão obtuso que nada saiba e ninguém é tão culto que tudo sabe. Há aprendizagens em qualquer diálogo, de um lado ou de outro. Respeite os silêncios. Há silêncio que vale por muitas páginas. Dentro de um silêncio pode caber uma dúvida de toda uma vida. E, sobretudo, esteja sempre aberto para ouvir, para ler, para sugerir, para receber novas propostas. Quando um leitor o procura e abre o diálogo, eis aí a chave para um bom negócio. Quanto melhor o negócio for para o seu leitor, mais vezes ele voltará ao local em que as circunstâncias lhe são favoráveis.

Décima quarta: amplie o acervo indo à luta

Veja bem, nessa questão de ampliação do acervo, deve-se ter uma coisa bem clara: biblioteca, sala de leitura ou espaço de leitura não devem ser confundidos com depósito de bugigangas inúteis. É muito comum que as pessoas, de modo geral, em sua simplicidade, ou apoiadas num certo pouco apreço pelo livro, doem todo tipo de coisas inúteis, ultrapassadas, rasgadas, para a biblioteca, quando em campanha de ampliação de acervo. Nada mais desalentador para quem é usuário do espaço do que receber um punhado de inutilidades. No fundo, a imagem que passa é que o espaço de leitura é também inútil e tem mais a cara de um depósito de coisas inservíveis do que um pedaço dinâmico da nossa vida, onde o conhecimento pode ser construído cotidianamente. Uma das formas de se evitar isso é organizar uma campanha de ampliação de acervo apresentada aos possíveis colaboradores/doadores por uma carta onde haverá a descrição do trabalho, a importância da leitura para as pessoas e que tipo de material cabe na doação. Agindo assim, você estará ajudando os possíveis doadores a valorizarem mais o material de leitura e orientando a sua doação, além de deixar implícita a qualificação do seu trabalho. Uma coisa é doação do tipo "qualquer coisa serve"; outra coisa é esclarecer " precisamos de tais materiais" ou " precisamos e gostaríamos de receber, se possível, tais e tais materiais". De qualquer forma, ampliar o acervo deverá sempre estar presente no seu horizonte e tenha certeza de que há muita gente com vontade e condição de ajudar, de modo produtivo.

Décima quinta: envolva as pessoas, mas não se esqueça de que há outras coisas gostosas na vida

Envolva as pessoas. Não seja um solitário por convicção ou conveniência. Saiba que entre todos os animais, somos os que mais sabem do prazer - às vezes da dor, claro - de viver em conjunto. As pessoas respondem bem quando são convidadas ao convívio, à colaboração, à solidariedade. Envolva-as, convide-as para participar do processo de formar e/ou de formar-se leitor. Chame-as para dedicar um pedaço do seu dia às práticas da leitura, seja lendo, seja conversando, seja organizando, seja ouvindo, seja escrevendo, seja preparando o espaço. Ler e ensinar a ler envolvem as pessoas. Todos gostam do brilho de fazer, de ajudar, de estar junto, de ver crescer. Mas... não se esqueça: a vida tem outras coisas boas. Não perca isso de vista, até para poder vibrar com seu trabalho de formador de leitores e mediador de leituras.

Décima quinta e meia: vai que é sua!

Agora é com você. Cumpra o roteiro ou desfaça-o. Mude as lições. Troque as dicas, reorganize-as. Aproveite o que você acha bom. Adapte-se e adapte as lições à sua prática ao seu espaço. Seja sujeito do seu trabalho. A décima sexta lição é de sua competência. A décima sétima também. A décima oitava...Vai que é sua, companheiro/a!

* Texto escrito para a publicação do Programa Prazer em Ler, volume I, do Instituto C & A e do CENPEC, SP. 2006

 
     
 


ARQUITETURA DAS INSTÂNCIAS E AÇÕES MEDIADORAS: contribuições de um leitor itinerante para a formulação de uma sistematização da mediação da leitura *

Mais que brevíssima introdução
A questão da leitura está posta para nós brasileiros leitores e escritores: como fazer para que outros brasileiros, cidadãos como nós, tenham acesso qualitativo aos textos escritos e impressos?
É verdade, grosso modo, que a educação vem sendo pautada, nas últimas três ou quatro décadas, a) nos programas de governos dos principais partidos políticos, b) pela demanda da sociedade civil mais organizada e avançada e c) na chamada ação propositiva de responsabilidade social de empresas privadas que vêem para além de suas necessidades técnicas do trabalho. Isto, no entanto, para surpresa de todos dos estudiosos do tema, não vem se refletindo em uma mudança substantiva dos índices de formação de leitores, de criação de bibliotecas duradouras, do aumento de publicação de livros e, sobretudo, da melhoria no desempenho leitor.
Não só o acesso às informações fixadas e transmitidas pelos portadores de textos é restrito, como a utilização dessa "valiosa mercadoria", a informação na sociedade contemporânea , também é restrito e pouco familiar à uma parcela significativa do povo brasileiro. Uma nação, como a nossa, pouco leitora, paga preços sociais altos por causa desse baixo desempenho do povo ao lidar com a informação escrita e transformá-la em conhecimento. Os recentes e lamentáveis episódios da selvageria corrupta de parte significativa dos políticos brasileiros – que apostam no esquecimento, na aceitação e na quase ausência de análise crítica dos fatos – nos dão o sinal o sinal de alerta.
Se quisermos tirar da pauta a mediocridade do desempenho na leitura o melhor atalho é a ênfase no aprendizado e na capacitação dos brasileiros na lida com a informação escrita.

É nesse breve contexto, a caminho da construção de uma necessária nação leitora, o Brasil leitor, que esperamos contribuir, através das anotações seguintes, buscando a proposição de uma sistematização das mediações da leitura, não sem antes trazer para acompanhar as reflexões uma observação necessária à leitura deste texto: qualquer que seja o enfoque e a descrição da ação mediadora, estará sempre posta e pressuposta a importância de um mediador na formação de um leitor, de uma nação leitora. Toda construção histórica nasce pelas mãos humanas e por elas são desenhadas.

Vamos lá...que o caminho vai se fazendo.
Comecemos por dizer que é preciso estabelecer um pressuposto para balizar nossas andanças, sem que percamos a direção, o norte e o sul, e as margens.
Sendo assim, o conceito de mediação, aqui referido, tem o sentido de um diálogo, de ação de trânsito, de movimento, de interação (verbal, por excelência, nem sempre única). Pressupõe uma ação humana: presença de sujeitos construindo coisas, comportamentos, idéias, significados. Sujeitos no "meio" de outros sujeitos.

Isto colocado, vamos às instâncias e ações mediadoras da leitura.

Políticas públicas

Podemos falar de políticas públicas como uma instância ampla de mediação. Políticas públicas são ações intencionais, planejadas, amplas, de longa duração, levadas a cabo pelos governos, com objetivos e metas definidos. As políticas públicas atendem demandas sociais, geralmente levantadas por grupos da sociedade civil organizada, e se destinam à maioria da população, tendo em vista o bem estar comum. Quase sempre as políticas públicas estabelecidas representam um recorte ideológico dos governantes em exercício e de seus partidos. Às vezes representam interesses mais específicos de um grupo hegemônico e pequena preocupação com a população. Quando representam o interesse da maioria da população, podemos dizer que essas políticas públicas são mais democráticas e tendem a ter maior qualidade no comprometimento com a cidadania da população. Quanto mais democrática e esclarecida for uma sociedade maior será a sua participação na definição dessas políticas e nas eventuais correções de rumo. Uma política pública para a leitura obrigatoriamente deverá contemplar a formação de leitores, a implantação e implementação de espaços de acesso aos textos (bibliotecas, salas de leitura, etc), a formação de mediadores de leitura, o incentivo à leitura e a aquisição e distribuição de acervos. O PROLER (programa de formação de educadores e leitores) e o PNLL (programa nacional do livro e da leitura) são dois exemplos de políticas públicas governamentais, de caráter nacional, que vêm sendo implementados nas duas últimas décadas. O Programa PRAZER em LER é outro exemplo de ação de uma política pública de incentivo à leitura, mesmo sendo desenvolvido pela iniciativa privada.
Políticas públicas envolvem muitas pessoas, agitam idéias, põem à prova a criatividade, ensejam soluções locais. Por envolver muita gente, facilitam o relacionamento e a troca de experiências entre os participantes dos diferentes níveis, levam análises comparativas de desempenho e resultados, mantendo sempre aberto o diálogo entre os envolvidos. O cotidiano dos envolvidos é freqüentemente alimentado com novas informações, orientações e propostas, seja por uma linha de comunicação direta, seja por eventos pontuais. Assim os envolvidos nas ações de políticas públicas estão permanentemente "no meio" de um processo, abertos ao diálogo, respondendo e propondo, fazendo transitar sua ação local com base em diretrizes amplas dessa política.

Espaços de leitura

Nessa mesma direção, podemos pensar e examinar um pouco a mediação feita pelo espaço de leitura.
Aparentemente, um primeiro pensamento mais imediatista trará o questionamento: como é possível pensar que um espaço físico, dotado de móveis, equipamentos e acervo, possa fazer mediação de leitura?
Vejamos como. Um espaço de leitura, uma sala de leitura ou biblioteca,como as políticas públicas de leitura, não é neutro. Se é difícil falarmos da ideologia de um espaço de leitura, não é impossível pensarmos sobre a sua organização e funcionamento, como sua cara, sua roupa, sua voz. Um espaço mediador de leitura é aquele que tem como suas principais características:
a) a democratização do acesso ao acervo;
b) a facilitação do acesso e do empréstimo;
c) a originalidade e criatividade no modo de apresentar e "oferecer" o acervo aos leitores;
d) a disponibilidade de levar o acervo até onde está o leitor, e e) a disponibilidade dos mediadores de leitura, sempre muito presentes.
Essas características, já discutidas na publicação PRAZER em LER – um roteiro prático-poético para introduzir qualquer e quem quiser nas artes e artimanhas das gostosices da leitura, combinadas entre si, dão o tom do que se pode fazer em um espaço de leitura.
Ter a leitura mediada por um espaço significa oferecer, com prazer, agilidade e facilidade, o material de leitura, dar alternativas de escolha, dar tempos e reconhecer os tempos diferentes de leitura, reconhecer e mapear os modos individuais de leitura, facilitar o acesso, o empréstimo e a troca/devolução, permitir e estimular trocas de experiências e o registro de compreensões de leitura, receber e aconchegar os leitores potenciais, buscar leitores ou levar até eles os objetos de leitura. Combinadas, estas ações de mediação fazem de qualquer espaço um local fomentador de atividades de leitura.
De modo geral, as pessoas, leitores ou "ainda" não, gostam de novidades, de ambientes bonitos, organizados, acolhedores e aconchegantes. Gostam de conversar e registrar os significados construídos a partir de sua leitura, de trocar experiências e ouvir sugestões. Se tudo isso fizer fazer parte de uma "política particular" de um espaço de leitura, eis aí uma receita que dará certo, cujo resultado certamente dará certo.
Nesse sentido, o espaço, além de acolhedor, limpo e organizado, deve prever mediações estruturais que facilitem o acesso, que desbanque a burocracia, que instigue a curiosidade, que encante e converse com o leitor. Regras simples para o acesso e uso do material devem fazer parte desse jogo. Espaços organizados de modo que o leitor saiba o que tem disponível, que ele possa circular por "cantos" do tipo "novidades", "cesta de poesias", "espaço aventura", "espaço da sexualidade", " o mais emprestado e mais lido", "acabei de chegar" e tantos outros mais, devem fazer parte do jogo. Essas regras e esses convites através de uma organização "oferecida" são conversas silenciosas, feitas também com os olhos, um diálogo sensível para além da presença do mediador no espaço, uma ação de pertencimento ao mundo dialógico da leitura.

Atividades comuns e rotineiras planejadas

Este tipo de mediação, fortemente intencional, mesmo sendo formado por atividades rotineiras e não obrigatórias aos freqüentadores do espaço, pressupõem planejamento, controle e avaliação. São atividades comuns, abertas a todos os freqüentadores do espaço e têm como objetivo continuar a conversa e o diálogo abertos pela mediação do espaço, garantindo uma aproximação do leitor e dos textos (livros, revistas, jornais etc) de modo prazeroso, individual ou coletivo, estimuladas presencialmente pelo mediador de leitura.
Se antes focamos a mediação orientada por políticas e espaços, agora descreveremos ações mediadoras com forte presença humana. Sem abrir mão da criatividade e originalidade (que garantem a marca pessoal de cada espaço e mediador), estas atividades são amplamente conhecidas e utilizadas por todos os que se aventuram na mediação de leitura, garantindo a aproximação do mediador e dos (aprendizes) leitores e proporcionando o estabelecimento de relações de confiança, de satisfação, de ajuda, de cooperação entre ambos. São atividades que, de um lado, permitem ao mediador aproximar-se e conhecer melhor seus leitores e possibilitam uma visão geral e uma avaliação do seu trabalho, podendo, dessa forma, reorientar ou alterar as práticas suas práticas pessoais e rotineiras; e, de outro lado, aos leitores conhecerem o acervo, locomover-se com mais familiaridade no espaço e, aos poucos, construírem-se como leitores autônomos, sujeitos de sua prática de leitura (aí incluídos a aproximação, o manuseio, a decisão, a escolha, o tempo de leitura, as apropriações de significados e a decisão de encerrar a leitura do objeto escolhido). Nessa descrição, podemos enquadrar as seguintes ações de mediação:
a) sessões de leitura livre (seguidas ou não de empréstimos de livros);
b) rodas ou círculos de leitura (em que os leitores conversam sobre o material lido e trocam informações sobre suas leituras);
c) sessões de empréstimo de livros;
d) entrevistas com autores de livros, jornalistas, professores ( tendo como pano de fundo a importância da leitura e escrita, os processos criativos etc);
e) hora da história (tendo como referência preferencialmente algum material escrito);
f) vivência de momentos coletivos dirigidos como "eu li e gostei muito", "café com letras" ou "um livro que mexeu com a minha cabeça";
g) elaboração coletiva de um mural ( com resenhas, reportagens pertinentes aos livros e leitura, com material sobre assuntos atuais, com "propagandas" de leitura feita pelos leitores etc;
h) hora da novidade (com apresentação destacada dos novos livros e outros materiais acrescidos ao acervo;
i) atividades de escrita relacionadas à leitura (pesquisa, resumo, análise, registros gerais, registro de história de leitura, troca de correspondências e toda atividade de manuseio do computador, entre elas a elaboração de sites próprios, blogs, troca de e-mails, criação de espaços de comentários sobre leitura etc);
j) outras atividades relativas e pertinentes à leitura que levem à melhoria dessa prática, à troca de informações, à sugestão de outras ações e, sobretudo, ao registro dessas atividades, realçando a imensidão de possibilidades que o uso do computador e da Internet oferecem.

Mediação escolar

Outra instância de mediação, muito presente na vida de quase todos os brasileiros, é a que chamamos de mediação escolar. Até aqui, as mediações focadas não têm a organicidade do espaço pedagógico, a intencionalidade planejada e a obrigatoriedade cotidiana. Entre todas as mediação, esta é a mais intencional, a mais planejado e controlada, dado o rigor e a obrigação social, constitucional, que a escola se impõe no seu currículo. Há, inclusive, leis nacionais que tratam disso. A mediação escolar vem sendo amplamente discutida em dissertações acadêmicas e oferecendo elementos de análise de práticas, alternativas e reflexões de muita qualidade.
Grosso modo, a mediação escolar pode ser descrita a) pela intencionalidade dos programas curriculares, b) pela presença obrigatória de mediadores (professores/educadores) e c)pela obrigatoriedade de freqüência dos educandos aos espaços de leitura (bibliotecas, salas de leitura etc). Em princípio, os programas curriculares escolares dão à escola o status de uma espécie de nave-mãe, preparada para "ensinar" crianças e jovens a ler, introduzindo-os deliberadamente na aprendizagem da leitura e escrita, de modo compartilhado, orientado ou livre, lidando com as várias modalidades de textos e com as diferentes capacidades/habilidades de leitura, tais como: relacionar informações, buscar informações específicas, definir necessidades e objetivos de suas leituras, buscar os significados para palavras e idéias novas, escolher materiais de leitura, trabalhar com o contexto de leitura e da produção do texto lido, relacionar temas e conteúdos em textos diferentes, relacionar o conteúdo lido para além do texto, apreciar esteticamente os textos etc.) Embora, também em princípio, a escola esteja preparada para ensinar seus alunos a responder a diversos objetivos (ler para se divertir, ler para buscar uma informação específica, ler por prazer em aprender, ler para preparar-se para alguma atividade, ler para responder perguntas etc), usando sua capacidade e habilidades leitoras em uma sociedade altamente letrada, a instituição é muito criticada por seu didatismo reducionista, por suas instalações precárias e pela formação de pouca qualidade dos educadores.
A primeira mediação feita na escola é a do professor, responsável funcional pela etapa curricular da alfabetização dos alunos. Não é por outra razão que as (poucas) pesquisas feitas sobre histórias de leitura apontam em casa, a mãe e o pai e, na escola, o professor, como as pessoas responsáveis pelo incentivo à leitura. O PNLD-Programa Nacional do Livro Didático justifica-se, em parte, pela constatação, triste, é verdade, de que muitos brasileiros só têm acesso a livros, na escola, pela mão do professor. Lastimável, o argumento pode ser real. É também na escola, em boa parte delas, que muitos alunos entram em contato com os textos literários, seja nas bibliotecas escolares (ou similares), pela mediação do orientador de leitura (professor, bibliotecário, educador comunitário, voluntário etc), seja na sala de aula pela indicação/adoção de leituras obrigatórias de um mesmo livro. Há muitas críticas ao trabalho de mediação de leitura feito pela escola,a maior delas, talvez, a de que o próprio professor, não é , ele mesmo, um leitor e por isso desloca a importância da leitura da necessidade e do prazer para a obrigação. No entanto, resgatando-se o argumento de que muitos brasileiros só têm acesso ao livro na escola, é possível que também muitos educadores só tenham acesso a livros na escola, pelos programas governamentais, embora isso não signifique, necessariamente, formação de novos leitores. A mediação escolar é muito ampla e não vamos aqui detalhá-la. Vale registrar, ainda que de passagem, que são muitas as finalidades da leitura no ambiente escolar (ler para escrever, ler para responder perguntas, ler para buscar informações. Ler para seguir ordens e conhecer regras, ler por prazer e distração, ler para conhecer um determinado assusnto curricular, etc.).

Mediação pelo argumento da autoridade

Outra mediação muito comum é aquela feita pelo argumento de autoridade. Autoridade, neste caso, refere-se a um leitor formado, autônomo, crítico, conhecedor e sedutor. Alguém que, numa roda de leitura, numa conversa informal, numa fala acidental ou numa sugestão descontraída e descompromissada introduz dentro de nós uma curiosidade incontrolável, um desejo imediato de procurar, de encontrar, de conferir, de ler o que foi sugerido. Outras vezes, esse argumento de autoridade vem através da fala (entrevista, curso, palestra, etc.) ou de textos escritos (resenhas, indicações, listas de mais vendidos etc). Em ambos os casos, os argumentos são socialmente valorizados ou especialmente constituídos para isso. E, decididamente, não ficamos imunes ao marketing que permeia quase toda a sociedade de consumo, algo que somente poderemos contrapor opiniões e olhares à medida que nos constituímos sujeitos próprios de nossa história de leitura ( e que tenhamos "argumentos de autoridades" ).
Há nos argumentos de autoridade uma boa dose de um discurso sedutor, que nos convence pela abordagem, pela organização das idéias, bela beleza apresentada, pelas significações extraídas do material lido, pela relação dos saberes entre si. O argumento de autoridade algumas vezes nos faz ler materiais que não estavam em nosso planejamento de leitura. O que nos leva a pensar quão potencialmente estamos abertos à leitura e quão plenos de vazios estamos, à espera de preenchê-los com novas e novas significações. É desses vazios ou dessa curiosidade virtual que se aproveitam as autoridades. Elas apenas derramam sua sedução e nos fazem ler e pensar que sempre somos leitores ávidos.

Mediação pelo afeto

Se falamos em "mediação pelo argumento", entendemos que é possível e necessário falar da mediação pelo afeto. Nesse caso, o argumento não vem pelo argumento do saber, da lógica, da sedução, mas pela relação de afeto, de proximidade, de confiança, de presença constante, de acompanhamento. Em casa, a mãe e o pai; na escola, o professor e a professora; nos espaços de leitura, o orientador, facilitador, educador mediador de leitura. Fazem uma mediação pelo afeto, através do exemplo, da oportunidade, do estímulo, da doação e da valorização.
Presentear pessoas próximas, em momentos especiais – ou não – com livros, ler junto, criar a hora da leitura silenciosa ou oral, indicar leituras, conversar sobre assuntos lidos nos diferentes suportes de textos e acompanhar de perto os trabalhos escolares são algumas das ações possíveis desta ação mediadora.

Mediação feita pelo texto sedutor

Quase sempre falamos e pensamos na mediação como uma atividade deslocada para fora do texto e que só depois da aproximação do leitor e do texto é que este cumprirá sua função de dialogar com o leitor. Há, no entanto, uma mediação feita de modo sutil, delicado, tênue, quase sem a presença de sujeitos mediadores. É a mediação feita pelo próprio texto, pelo texto sedutor, que seduz e conquista o leitor com suas próprias forças, razões, propostas, tramas, teias, enredos. O texto sedutor, como um animal caçador, fica à espreita, esperando a aproximação de um leitor. E fisga-o. E o leva para dentro de seu universo, enredando-o nas palavras, nas idéias, nos buracos da significação, na ausência e presença de idéias, num diálogo solitário, mas fecundo e emaranhado. Sós, leitor e texto, texto e leitor dialogam e constroem sentidos.

Concluindo

Para concluir esta sistematização sobre as instâncias e ações mediadoras de leitura, restam-nos algumas observações.
A primeira delas é que a (mediação da) leitura é uma tarefa de toda a sociedade brasileira e não apenas circunscrita aos educadores e pais. Parte dessa tarefa é dificultada por uma questão de "valor". Os valores de uma sociedade, como sabemos, são criados culturalmente pelos homens e o livro ( e a leitura, conseqüentemente) não são, para nós, de modo geral, um bens simbólicos de alto valor. No imaginário popular constam informações que o livro é um bem "supérfluo", "coisa de intelectual", "enfeite de prateleira", "muito caro", "não enche barriga" etc, informações que dificultam a formação de novos leitores. Livros, revistas e jornais, entre outros portadores de texto, devem fazer parte da cultura de valorização e consumo de todos nós. Nesse sentido, a tarefa de ressignificar os textos escritos públicos e impressos como importantes em uma sociedade letrada, que traça seu destino na compreensão possível feita no mundo lido e escrito, pertence a todos nós, cotidianamente.
Primeiro como leitores, depois como mediadores.

A segunda observação é tão óbvia que assusta, mas nem por isso desnecessária de ser observada: é impossível se falar (mediação de ) leitura sem considerarmos a existência de acervos. Livros, jornais, revistas e demais textos impressos só têm sentido de existência quando são lidos pelas pessoas. Não lidos, são meramente objetos materiais desprovidos de significados. Para que possam ser lidos, precisam existir, ocupar espaço, terem presença na vida dos leitores. Em uma metáfora demasiadamente usada e conhecida, mas sempre bem vinda, o diálogo do nadador é com a água e o diálogo do leitor é com o texto. Água e textos precisam existir próximos de seus interlocutores. Não se aprenderá a ler (gostar de, necessitar de , consumir, habituar-se a ) se nosso cotidiano não for freqüentado por objetos portadores de textos. A tarefa de viabilizar, de oportunizar, de proporcionar leituras e de colocar textos à disposição dos leitores é também nossa.
Primeiro como leitores, depois como mediadores.

A terceira observação é sobre a natureza dialética da mediação. A mediação será, sempre uma operação de dialogicidade, de transitividade de leitores, de significações, de textos. Envolverá sujeitos com seus patrimônios de significações, numa relação de interação verbal em que os deslocamentos de novas aprendizagens serão, na maioria das vezes, qualitativamente superiores. Mediação pressupõe trânsito de significações entre um e outro, através dos textos, seu contexto, sua história. Mediação é, enfim, o exercício cotidiano de estar vivo e viver.

Encerrando estas observações finais, é interessante realçar que estas instâncias e ações mediadoras, que aqui expusemos, não são categorias estanques. São mediação que se relacionam, que se completam, que conversam entre si.
Ao falarmos de políticas públicas como uma instância de mediação, evidentemente está posto que as políticas públicas pressupõem espaços, acervos, mediadores/leitores. Ao falarmos da mediação escolar, está claro que este tipo de mediação deve estar acoplado a uma política pública de leitura para as escolas que importa, entre outras medidas, a qualidade da formação dos educadores como mediadores, a existência de espaço mediador, o acervo e o mediador/leitor.
Mediação, espaço e acervo serão conceitos vazios de significados se o mediador não estiver presente. Um sujeito consciente do seu papel na sociedade e no trabalho, que toma para si a tarefa gostosa, necessária, interessante e cidadã de colocar os textos nas mãos, no coração e no pensamento dos brasileiros não leitores.
Discutir um perfil para o mediador é assunto para outras conversas, certamente já iniciadas. Agora, sem abusar da paciência do leitor, é hora de pensarmos sobre o que aqui vai escrito.

* Texto publicado no Volume 2 – Prazer em Ler. SP.2007, publicação do Programa Prazer em Ler, do Instituto C & A e CENPEC