HISTÓRIAS FORA DE CATÁLOGO  
  A história da vida literária de um escritor não é feita somente por suas publicações que estão no catálogo e no mercado. Muitos textos avulsos, publicados aqui e ali, fazem parte de sua história, de sua "carreira". Assim como alguns livros publicados ao longo dos anos e que não mais estão em catálogos editoriais e, consequentemente, estão fora do mercado. Mesmo assim, "desaparecidos", fazem parte da carreira, da vida literária do escritor, pois, de algum modo, em algum momento, fizeram parte de sua história.  
 
 

Meu primeiro livro, GABRIEL TERNURA, foi publicado pelas Edições Loyola, no final dos anos setenta, começo dos anos oitenta. Um livro com uma história parecida com a história do filme ET – o extra-terrestre, mas lembrando que o livro apareceu primeiro. Uma personagem mágica, com um pincel e uma aquarela, vai mudando cores e transformando pessoas e situações.

Entre outras personagens, o Bicho Cala-a-Boca era o que mais despertava atenção dos leitores. Esteve no mercado por pouco mais de duas décadas, por algumas edições e presença em programas de governo. Foi um ótimo começo de carreira. Ilustrado pelo meu amigo e professor Wilson Martins, de quem perdi o contato.

Encontrado em bibliotecas e sebos, Gabriel Ternura ainda vale uma leitura.

 
     
 
 

A HISTÓRIA DA BOLINHA CURIOSA, também publicado pela Loyola, por volta de 1983, é uma história de formas geométricas, claramente inspirada no livro Flicts, do Ziraldo. Uma bolinha que vivia em um caminho estreito e curto descobre que há outros caminhos e outras coisas fora do seu caminho. Encanta-se, aprende, cresce e não consegue mais voltar ao caminho de antes.

O livro encontrou o seu próprio caminho e foi ao longo dos anos muito lido e indicado por psicólogos e por educadores em seus cursos e palestras, com o objetivo de ilustrar uma metáfora da aprendizagem: aprendemos e crescemos.

Gosto muito da proposta deste livro. Acho que é atualíssimo e pode ainda dar muito "caldo".

 
     
 
 

A BRUXINHA DOMITILA foi personagem de dois livros meus: A BRUXINHA DOMITILA E O ROBÔ SUPER-TUDO e A BRUXINHA DOMITILA E O ROBÔ MORTO DE FOME. Publicados pela Editora Vozes, entre 1983 e 1986, fizeram muito sucesso de leitura.

A Vozes destratou ambos os livros e me devolveu os direitos autorais. O primeiro foi reeditado pela Editora do Brasil, estando em catálogo, e o segundo está fora de catálogo.

Sempre me perguntam por que o nome Domitila, da personagem principal, e sempre respondo o que já respondi em outros textos: é uma homenagem à boliviana Domitila Chungara Barros, brava guerreira que lutava contra as péssimas condições dos trabalhadores das minas bolivianas. Esses livros me deram muitas alegrias, inclusive a de conhecer a Domitila heroína inspiradora do nome, quando esteve no Brasil para lançar o seu livro SE ME DEIXAM FALAR, publicado pela Global Editora.

Ambos os livros fizeram e ainda fazem minha história literária.

 
     
 
 

Ainda dos tempos do catálogo da Editora Vozes, o livro LERO-LERO VAI À FESTA teve também várias edições e seu momento de glória.

Década de 1980, quando ainda pouco se falava no respeito aos mais velhos, este texto é uma homenagem ao idoso, à pessoa vivida, experiente. Texto atual, principalmente por uma razão muito simples: nestes tempos de “tudo é descartável”, o velho sofre o efeito dessa busca alucinada pelas coisas novas. Vale uma leitura.

 
     
 
 

Em meados dos anos oitenta, 86/87, publiquei dois livros pela Editora Moderna: PEDAÇOS DE PAIXÃO e CIRCO BAGUNÇA BEM-FEITA.

O primeiro, PEDAÇOS DE PAIXÃO, reunia uma coletânea de textos curtos, contos, abordando histórias de amor para adolescentes. Foi um dos primeiros livros da nova safra de autores de literatura infantil e juvenil a escrever histórias de amor para a moçada. Alguns dos contos eu havia escrito para a primeira versão da Revista Recreio, da Editora Abril, destinada aos jovens. Depois a revista mudou o foco e passou a circular para leitores mais infantis. O título, Pedaços de Paixão, foi sugestão do meu amigo Pedro Bandeira.

CIRCO BAGUNÇA BEM-FEITA, ilustrado pelo Eva Furnari, trazia pequenas histórias tendo os circos pobres e mambembes como pano de fundo. Palhaços, malabaristas, mágicos, amestradores de animais e... lonas furadas estão nesse livro. Mais do que tudo, uma doce e carinhosa lembrança do mundo dos circos pobres e itinerantes, algo que praticamente desapareceu de nossos cenários.

 
     
 
 

Um dia tive uma idéia: escrever sobre a relatividade da verdade. Algo como: não há verdade absoluta ou tudo na vida é relativo. E pensei em uma coleção de livros chamada Meias Verdades. Comecei escrevendo dois livros: O BICHO MAIS BONITO DA FLORESTA e AS IDEIAS DO CANÁRIO. Ambos, ilustrados por Cláudio Martins, foram publicados pela Formato Editorial, entre 1992 e 1993, pequena grande editora mineira que fez enorme sucesso e depois foi vendida e teve seu catálogo incorporado ao grupo da Editora Saraiva.

O BICHO MAIS BONITO DA FLORESTA baseava-se na ideia simples que aquilo que é feio para os outros pode ser bonito para nós. E assim desenvolvi a história, uma fábula, em que um bicho vai esperar o outro, com a indicação de que é o bicho mais bonito da floresta... E cadê o tal bicho muito bonito? Só depois de muito tempo, o bicho mais bonito se apresenta: um macaco feio de doer.

 
     
 
 

AS IDEIAS DO CANÁRIO foi escrito com base em um conto de Machado de Assis, de nome Ideias de Canário.

A ideia principal do livro é deixar claro que dependendo de onde estamos, de quem somos, nosso ponto de vista é diferente. O canário da história, vivendo em condições diferentes, em gaiola, depois em viveiro e finalmente livre, faz afirmações diferentes sobre a vida. Atualíssimo, em época de democracia de opiniões. Modéstia à parte, ambos merecem ser relidos.

 
     
 
 

RETRATO NOVO também foi publicado por uma editora mineira, a LÊ, ilustrado pelo meu amigo Ricardo Azevedo.

Uma proposta simples, uma brincadeira: um fotógrafo prepara a bicharada para tirar um retrato. Tiram o retrato, depois de muita preparação, e só então descobrem que a fotografia foi tirada de cabeça para baixo. Um livro simples, mas bonito. Teve boa presença no mercado, inclusive em programas de governo.

A LÊ foi comprada por outra editora e nessa passagem, o livro saiu de catálogo. Mas não saiu de minhas lembranças. Gosto muito da proposta do livro e do resultado final.

 
     
 
 

No final anos oitenta e início dos anos noventa, publiquei dois livros pela Melhoramentos, ambos fora de catálogo. CLARO E ESCURO, ilustrado pelo renomado artista plástico Mário Cafiero, era uma história, se é que posso chamar esse texto de história, de alternância do poder, a forma mais interessante da democracia. O dia e a noite, personagens do texto, se alternavam na cena principal, cada qual com suas belezas, suas presenças.

AGENDINHA foi uma experiência muito interessante. O livro era uma mistura de agenda, com os nomes das pessoas, homenageadas com poemas. Vários filhos e filhas de amigos e amigas, de pessoas próximas e queridas fizeram parte dessa “agendinha”. Além disso, o texto se propunha a dar dicas para se fazer poemas. Claro, com muito humor e maluquices a toda prova. E vez ou outra, brincadeiras com o próprio espaço da agendinha e a ausência de poemas. Um livro interessante, diferente, que não ficou tanto tempo em “cartaz”, ou melhor, em catálogo. Pensando bem, talvez valha a pena retomá-lo, repensá-lo e refazer essa agendinha. Por quê não? O que me impede?

 
     
 
 

MEMÓRIAS DA GUERRILHA IMAGINADA, publicado pela Editora Atual, retrata os idos do início dos anos setenta, logo após a conquista do tri-campeonato mundial pela seleção de futebol, tempos em que a mão pesada ditadura descia o cacete, prendia e matava aos punhados. Tempos pesadíssimos que o livro reproduz entre o pano de fundo da política violenta e uma certa ingenuidade das personagens.

Talvez seja meu único livro com alguns poucos traços biográficos. Nessa época vim de "mala e cuia" para tentar a vida em São Paulo. O livro conta um pouco desses anos iniciais, o tempo de moradia em uma "república" com outros amigos. Adorei tê-lo escrito. Ganhou o prêmio de melhor texto juvenil da UBE-Rio de Janeiro, de 1994. Hoje, fora de catálogo, está por merecer de minha parte uma releitura, revisão, ampliação e tentar nova edição. Tenho certeza que vale a pena.

 
     
 
 

Mais ou menos dessa mesma época o livro TRAPAÇAS E CARÍCIAS tratava de um tema de que gosto muito: política. Ainda pretendo escrever mais sobre política, tema tão imbricado em nossas vidas, mas tão descartado da literatura.

A história reproduzia em uma eleição de grêmio escolar os problemas das nossas eleições. Por alguma razão, sempre difícil de entender, o livro não "pegou". Vale como registro.

 
     
  É mais ou menos isso, minha história fora da margem, off line. Se faltou alguma coisa, o que ficou de fora foi por falta de significação maior na vida. Reforço a ideia de que a vida literária e a carreira de um escritor são formadas pelos livros que estão em catálogo, pelos livros que já estiveram em catálogo e pelas muitas histórias escritas e que nunca foram para o papel (ou para o e-book). Nem sempre a história se resume ao que está publicado. É muito, muito, maior do que isso.